Cativações: como Centeno ganhou mais poder sobre a despesa

No OE 2016, foram criadas novas cativações sobre as despesas que ficassem acima da execução do ano anterior. Mário Centeno diz que ganhou um instrumento para controlar o défice, os partidos fora do Governo falam de discricionariedade e falta de transparência.

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Mário Centeno diz que cativações são importantes para manter o rigor orçamental LUSA/TIAGO PETINGA

É necessário recuar até Fevereiro de 2016 para encontrar as razões por trás da polémica orçamental do momento entre Governo e oposição. Foi nessa altura, quando apresentou a proposta de Orçamento do Estado (OE) para o ano passado, que o executivo decidiu incluir a medida que fez com que o montante de cativações nesse ano viesse a cifrar-se em 942,7 milhões de euros, um valor superior aos de anos anteriores e que contribuiu para que a meta definida para o défice fosse atingida.

As cativações são um instrumento orçamental usado há várias décadas por sucessivos governos como forma de controlar a evolução da despesa pública. Uma parte da despesa prevista no OE fica reservada, não podendo ser utilizada sem a autorização expressa do ministro das Finanças. No OE 2016, contudo, o actual Governo decidiu ir mais longe do que vinha sendo hábito.

Todos os anos, o orçamento prevê a cativação de despesa — 12,5% das despesas afectas a projectos relativos a financiamento nacional e 15% das despesas relativas a aquisições de bens e serviços. A partir de 2016, contudo, o Governo optou por assumir um nível adicional de cativações, que se passaram também a aplicar às despesas de serviços que beneficiem de um acréscimo nos seus orçamentos. Em concreto, se a despesa prevista com a aquisição de bens e serviços superasse em mais de 2% o valor executado no ano anterior, essa verba extra ficaria também automaticamente cativada.

Esta nova regra, presente na lei do OE, fez com que o montante das cativações fosse em 2016 bem superior ao dos anos anteriores. O total das cativações iniciais ascendeu a 1733,5 milhões de euros, e no final, depois de realizadas descativações no total de 803,6 milhões de euros, o total da despesa que acabou mesmo por não se realizar foi de 942,7 milhões de euros, o valor mais alto de que há registo e bastante acima dos 521,5 milhões de 2015.

As Finanças têm vindo a justificar estas cativações adicionais com a necessidade de introduzir um novo instrumento de controlo orçamental, que evite a necessidade de rectificativos e permita que se acerte no objectivo do défice. Em particular, as novas cativações minimizam os efeitos de uma prática habitual dos serviços públicos que consiste em sobrestimar as suas receitas próprias, com o intuito de aumentar a despesa que ficam autorizados a fazer. Com a nova regra, o que acontece é que essa despesa adicional fica logo cativada.

De acordo com o Ministério das Finanças, 617 milhões dos 942 milhões de euros finais corresponderam a estas cativações, relacionadas com as receitas próprias, sendo aqui que se regista o maior acréscimo face ao ano anterior, em que o valor foi de 382 milhões de euros.

O certo é que, com este novo instrumento, o ministro das Finanças conquistou mais uma margem de discricionariedade na execução orçamental. Independentemente daquilo que é aprovado no OE, fica com a opção de definir por si só o destino de uma parte mais elevada da despesa pública, que ascendeu em 2016 a 1% do PIB.

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Aumentar

Este novo poder foi, aliás, apresentado em Outubro de 2016 como um trunfo em Bruxelas. Quando as autoridades europeias mostraram dúvidas sobre a capacidade de Portugal atingir as metas do défice sem novas medidas, Mário Centeno respondeu precisamente que tinha este ano um montante maior de despesa que poderia manter cativa e que lhe permitiria reduzir o défice em mais 0,3 pontos.

E os serviços? Sofreram cortes por causa disso? No final, já incluindo o efeito das cativações, registou-se em 2016 um aumento da despesa face a 2015 na generalidade dos ministérios. O que aconteceu, embora não haja dados sobre os montantes exactos (não se sabe quantas das cativações correspondiam a aumentos das receitas próprias que não se vieram a concretizar), foram cortes em relação a aumentos de despesa que poderiam ter ocorrido, nomeadamente em face de um acréscimo efectivo das receitas próprias.

Os cortes, mostram os números da Conta Geral do Estado, registaram-se em todas as áreas da governação, com particular destaque para o Planeamento e Infra-estruturas. O executivo faz, no entanto, questão de salientar que as cativações na educação, saúde e defesa não incidiram, por determinação da lei, no funcionamento directo das escolas, hospitais e não afectaram as despesas feitas ao abrigo da Lei de Programação Militar.

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