Tancos: Marcelo assumiu o comando e Governo foi atrás

Presidente da República puxou o ministro da Defesa até Tancos e ficou, agora, com “mais informação”. Governo convocou reunião para avaliar o caso. PS em silêncio, com Costa de férias.

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O Presidente chamou o ministro da Defesa e o CEMFGA para a visita a Tancos LUSA/PAULO NOVAIS
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Uma torre de vigia abandonada na zona dos paióis Miguel Manso
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Os paióis estão disfarçados entre morros já cobertos por vegetação Miguel Manso

O Presidente da República fez uma visita-quase-surpresa à base militar de Tancos e logo surgiram três factos novos: o Governo anunciou uma reunião ao mais alto nível do Sistema de Segurança Interna; foi desconvocada a manifestação de oficiais frente ao Palácio de Belém; e foram empurradas para o final da semana as explicações aos deputados do ministro da Defesa e do Chefe de Estado Maior do Exército.

Com o primeiro-ministro fora do país, em férias, Marcelo Rebelo de Sousa foi o rosto do Estado na reacção os acontecimentos que têm ensombrado o país - e arrastado o Governo para um problema político. De manhã, acompanhado pelo ministro-adjunto, esteve em Castanheira de Pêra, um dos concelhos fustigados pelo incêndio de 17 de Junho, e voltou a falar de Tancos num tom mais duro que nos últimos dias - ainda antes de se saber que tinha decidido ir ver, com os seus próprios olhos, o que se tinha passado na própria base militar.

"A minha posição como Presidente da República e como Comandante Supremo das Forças Armadas, pensando no prestígio de Portugal e das Forças Armadas, pensando na autoridade do Estado e na segurança das pessoas é muito simples: tem de se apurar tudo, de alto a baixo, até ao fim, doa a quem doer. E apuramento quer dizer apuramento de factos e das responsabilidades. Eu já disse isso uma vez, duas vezes, digo terceira vez. Não posso ser mais claro”, disse aos jornalistas. E acrescentando, sobre a investigação aberta pelo Ministério Público: "O que eu exijo é que haja investigação total, integral. Isso deve ser feito doa a quem doer e não deixando ninguém imune."

Depois das declarações, Marcelo fez caminho até Tancos, mas chamando o ministro da Defesa, cuja demissão já foi exigida pelo CDS de Assunção Cristas - e que ainda não tinha ido à base militar desde o roubo da última semana. À reunião juntaram-se ainda os dois chefes militares envolvidos no caso: o CEMGFA e o Chefe de Estado-Maior do Exército (também ele contestado dentro de portas, depois de ter suspenso cinco elementos ligados à segurança da base). 

Visitaram a zona dos paióis assaltados, reuniram-se com os responsáveis locais e quase duas horas depois, à saída das instalações (e quando os jornalistas já só esperavam ouvir Azeredo Lopes), só Marcelo falou aos jornalistas. Em poucas palavras, disse o bastante: que tinha sido uma visita "muito útil em termos informativos" (o que significa que ficou a saber mais do que sabia até então), porque é "muito diferente ir até ao terreno" – o que o Governo ainda não tinha feito. E fez questão de "exprimir uma palavra de apoio à investigação em curso e estimular os seus próximos passos". 

Na véspera, na reunião que concedeu a uma delegação da cúpula do CDS, Marcelo deixou a ideia de que não dispunha de informação suficiente sobre o roubo de Tancos e que o próprio Governo teria reagido de forma insuficiente ao roubo, desvalorizando a gravidade da situação - para mais conjugada com a tragédia de Pedrógão Grande. 

A verdade é que a polémica atingiu em cheio a imagem do Governo, ao ponto de começarem os rumores sobre uma eventual remodelação governamental em curso - logo desmentida ao PÚBLICO por elementos do Governo e do PS. Horas antes, Santos Silva tinha tentado em vão travar as especulações: “A nossa responsabilidade nos dias que correm é averiguar tudo, os factos e as responsabilidades. Todos os ministros estão em plenitude de funções”. Do PS, ontem, voltou a não ouvir-se uma defesa de Azeredo Lopes.

Quatro ministros a avaliar o caso

Foi apenas ao final da tarde de ontem, minutos antes dos telejornais, que um comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros  deu conta que o ministro Augusto Santos Silva, em substituição do primeiro-ministro, vai presidir à reunião do Sistema de Segurança Interna para fazer “um ponto de situação de segurança interna na sequência do furto de material militar em Tancos”. Estarão presentes quatro ministros: Defesa, Administração Interna e Justiça, além dos Negócios Estrangeiros.

A reunião, conduzida pela secretária-geral do Sistema de Segurança Interna, junta à mesa todas as entidades com responsabilidades em matéria de segurança: PGR, Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), os três ramos das secretas (incluindo o militar), GNR, PSP, PJ, SEF e Polícia Marítima. A reunião acontece uma semana depois de ter sido confirmado o roubo de arsenal bélico da base de Tancos. E antes de o Chefe de Estado-Maior do Exército e o ministro da Defesa irem prestar contas aos deputados - quinta e sexta-feira, por esta ordem.

Pode tudo não passar de uma (ou várias) coincidências, mas o certo é que a deslocação presidencial a Tancos, horas depois de a Procuradoria-Geral da República ter anunciado a abertura de um inquérito, por suspeitas de "práticas de crimes de associação criminosa, tráfico de armas internacional e terrorismo internacional", colocou o caso de Tancos numa esfera de importância de Estado onde ainda não estava.

 

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