Relatos da destruição no Convento de Cristo "carecem de rigor e revelam desconhecimento científico"

Inquérito da Direcção-Geral do Património Cultural refuta que a rodagem de The Man Who Killed Don Quixote tenha provocado danos consideráveis no monumento. Ainda assim, o Regulamento de Utilização de Espaços patrimoniais vai ser revisto.

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O Convento de Cristo foi utilizado pela equipa de Terry Gilliam entre 24 de Abril e 10 de Maio Daniel Rocha

O inquérito defende que a ideia de uma "destruição parcial" do Convento de Cristo, aludida na reportagem televisiva que suscitou a instauração do mesmo, mais que manifestamente exagerada, é errada. "As situações descritas" no programa Sexta às 9, da RTP,  "'carecem de rigor e revelam desconhecimento científico'", lê-se na nota de imprensa emitida pela Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC). Ainda assim, é anunciada uma revisão do Regulamento de Utilização de Espaços patrimoniais, "com o propósito de uniformizar critérios de utilização".

Não foi ateada “uma ‘fogueira’ com cerca de 20 metros de altura”, mas sim “um efeito cénico especial” realizado a partir de “uma estrutura piramidal tubular em aço com 8,04m de altura e 6,4m de base”, em cujo interior foi criada uma “rampa de gás propano”. A estrutura foi montada pela empresa Reyes Abades, considerada experiente em rodagens em monumentos históricos europeus, e o “efeito cénico” terá tido a duração de entre 4 a 5 minutos. Quanto às paredes enegrecidas pelo fumo são, afinal, “resultado da presença de agentes biológicos” identificados “há uma década pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC)”. Também se conclui que não houve árvores “queimadas” durante as filmagens. Foram retiradas quatro posteriormente, dado tratarem-se de espécimes não autóctones colocadas no convento há 12 anos, noutra rodagem. São estas as principais conclusões do inquérito realizado pela Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) na sequência de uma reportagem no programa Sexta às 9, da RTP, que denunciava que a rodagem de cenas de The Man Who Killed Don Quixote, de Terry Gilliam, no Convento de Cristo, em Tomar, provocara uma série de estragos no monumento incluído nas listas de Património Mundial da UNESCO.

No documento entregue esta segunda-feira na Assembleia da República lê-se que os estragos registados – “a quebra de quatro fragmentos térreos e de seis telhas”, que a Ukbar Filmes, uma das co-produtoras do filme, defendeu ao PÚBLICO em Junho serem “convencionais e de fabrico recente” – foram avaliados em 2900 euros pela empresa de restauro CaC03, valor pelo qual se comprovará não se tratarem de danos “significativos”. A rodagem rendeu 172 mil euros aos cofres do Estado.

Ainda assim, e apesar de se ter concluído no inquérito que a rodagem só foi autorizada após uma “avaliação criteriosa”, a DGPC entende ser necessário melhorar a forma como é decidida e acompanhada a utilização dos 23 museus, monumentos e palácios a seu cargo. Daí a anunciada revisão do Regulamento de Utilização de Espaços, “com o propósito de uniformizar critérios de utilização e reforçar as exigências às empresas que solicitam o aluguer”, bem como a criação de uma equipa permanente nos seus serviços centrais, que se dedicará pronunciar-se, “previamente”, “sobre  todos os aspectos de segurança relativos às pretensões de utilização dos espaços, tanto a nível patrimonial, como humano”.

Dá-se ainda nota, em resposta à acusação, na mesma reportagem, de irregularidades na gestão da bilheteira do Convento de Cristo, que será feita uma auditoria não só ao monumento de Tomar, mas também a dois outros da região Centro distinguidos como Património da Humanidade, os Mosteiros de Alcobaça e da Batalha. 

A equipa de The Man Who Killed Don Quixote, realizado por Terry Gilliam, que primeiro conhecemos, no final dos anos 1960, como um dos Monty Python, esteve em rodagem no Convento de Cristo entre 24 de Abril e 10 de Maio. Dia 2 de Junho, uma reportagem no Sexta às 9 denunciava que as filmagens no Convento haviam provocado várias danificações no monumento. Foram negadas tanto pela DGPC como pelos responsáveis pela filmagem, uma co-produção entre a espanhola Tornasol, a belga Chien et Loup, a francesa Kinology e a portuguesa Ukbar Films, mas o relato dos alegados estragos abriu caminho à discussão sobre o aluguer do património histórico e as condições em que este é feito, tendo como pano de fundo, por um lado, as crónicas dificuldades de tesouraria das instituições, e, por outro, casos como o da antiga directora do Mosteiro dos Jerónimos, Isabel Almeida, conhecido em Junho, que viu investigada a sua gestão, que incluía a alegada utilização dos Jerónimos para festas privadas, com entrada paga, mas sem receita para a tutela, ou a escolha do Museu dos Coches para a realização do VEXpo – Salão Internacional do Veículo Eléctrico, Hibrido e de Mobilidade Inteligente.

No final de Junho, um trabalho do PÚBLICO concluía que a cedência de espaços patrimoniais está muito longe de ser ainda uma prática quotidiana em Portugal e que as quantias amealhadas com os alugueres representavam apenas 2,22% de toda a receita gerada pelos museus e monumentos sob a alçada da DGPC. 

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