"População e médicos não estão preparados para novo paradigma"

Especialista em Medicina Social defende formação dos médicos nesta área.

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Joaquim Margalho Carrilho DR

É preciso mudar o paradigma que rege as verificações de incapacidade permanente, defende Joaquim Margalho Carrilho, especialista e docente no recentemente criado curso de pós-gradução em Medicina Social (Peritagem Médica na Segurança Social) do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica (Lisboa). Uma parte dos "escândalos" que têm vindo nos jornais nos últimos anos relacionados com casos de doentes que não conseguem pensões de invalidez prendem-se com um "problema de fundo - que é o da população e de muitos médicos não estarem preparados para o novo paradigma" que é recomendado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), considera.

É preciso mudar o "chip" do diagnóstico da doença para o diagnóstico da função, sintetiza. Um exemplo: uma cozinheira tem cancro e, na sequência de tratamentos de radioterapia, deixa de conseguir controlar as fezes e a urina e passa a ter que usar fraldas; fica incapaz de exercer a sua antiga profissão, mas pode, por exemplo, trabalhar como recepcionista a tempo parcial. “Esta mudança de paradigma, que consiste em avaliar a capacidade remanescente [para exercer um trabalho], tem que acontecer em Portugal", sublinha.

"Pensão de absoluta miséria"

A população e os médicos de família devem ser sensibilizados para a nova realidade. "Até por uma razão simples: a da prevenção do empobrecimento e da exclusão social precoce. Se uma pessoa se reforma [por incapacidade] aos 60 anos com 300 euros, daqui a 25 anos está em grande risco de exclusão social", acentua. “As pessoas estão iludidas. Pensam: ah, vamos ter uma pensão! O problema é que dentro de 25 anos essa pensão é de absoluta miséria".

Joaquim Margalho Carrilho avança com outra situação: um estivador com 50 anos e que deixa de poder exercer a profissão devido ao desgaste físico pode, no novo cenário, ter uma pensão pelo período em que trabalhou como estivador, mas depois passava, por exemplo, a trabalhar como "rondista" (fazer rondas de segurança), começando a partir daí a descontar nessa qualidade. Ficaria, portanto, com uma incapacidade relativa e, mais tarde, poderia acumular as diferentes pensões.

Os próprios médicos de família e clínicos assistentes das pessoas não sabem fazer o diagnóstico funcional, só o de doença, lamenta. "Começa aí o busílis da questão", diz  o psiquiatra, que defende que pelo menos um médico em cada centro de saúde deveria fazer a formação em peritagem médica na Segurança Social de forma a poder orientar e ajudar os doentes.

Representante de Portugal na União Europeia de Medicina na Segurança Social, Joaquim Margalho Carrilho assegura que, apesar de alguns casos excepcionais, não há muitas fraudes na avaliação e aprovação ou rejeição de pensões de invalidez e frisa que os médicos que constituem as juntas não são inexperientes, até porque a Segurança Social vai promovendo algumas acções de formação.

Em teoria, os médicos que compõem estas comissões de verificação devem ter experiência em peritagem médico-social.  A Ordem dos Médicos criou recentemente uma competência (o que é inferior a uma subespecialidade ou a uma especialidade) nesta área, mas ainda serão poucos os profissionais reconhecidos.

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