O “menino de ouro” do PS vai provar o que vale em eleições

Fernando Medina anuncia amanhã que é candidato a presidente da Câmara de Lisboa. É o passo decisivo na vida do golden boy do PS, para quem o partido olha como um futuro líder e até primeiro-ministro. Chegará para isso uma maioria absoluta?

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No PS é conhecido por um golden boy, um “menino de ouro”, na expressão imortalizada literariamente por Agustina Bessa-Luís. Aos 44 anos, Fernando Medina é visto pelos seus camaradas socialistas como alguém talhado para líder, um dia do PS e, depois, quem sabe, de um governo. É assim grande a expectativa com que o partido olha para a primeira vez que Medina se candidata a presidente da Câmara de Lisboa, à qual preside desde Abril de 2015, quando substituiu António Costa. As autárquicas de 1 de Outubro, nas quais se estreia à frente da lista da coligação do PS com o movimento Cidadãos por Lisboa, são consideradas uma prova de vida eleitoral, em que Medina está obrigado a manter a maioria absoluta na capital.

“Não nego que há expectativa, mas não oriento a minha vida por isso”, reconhece Medina ao P2, acrescentando: “Não estou a pensar no cargo a seguir. Não sei o que a vida me reserva, mas não vivo a pensá-la de forma milimétrica para ser líder do PS e primeiro-ministro.” Prefere fazer uma profissão de fé na sua eleição: “Fico muito contente de continuar a servir como presidente da Câmara. É isso que me mobiliza e me motiva.”

Medina faz parte de “uma nova geração a aparecer no PS”, sublinha Helena Roseta, deputada independente pelo PS na Assembleia da República, presidente da Assembleia Municipal (AM) desde 2013, depois de ter sido vereadora em 2007 pelos Cidadãos por Lisboa, de que é fundadora. Uma geração que marcou uma viragem: “Fernando Medina, como também Pedro Nuno Santos, Duarte Cordeiro, Pedro Delgado Alves, são gente que se prepara para ser a geração de ouro no PS. Isso é bom, é excelente. Vieram de uma JS muito ideológica e combativa que puxou o PS para a esquerda. Não podem perder a vez, é a vez deles.”

No grupo citado por Roseta, Medina é uma excepção. Embora tenha sido porta-voz da direcção do PS (2010-11) e seja membro do Secretariado, nunca fez o caminho das pedras da ascensão política pelo aparelho. Nem sequer integrou nenhuma juventude partidária. Fez a sua recruta política na luta contra as propinas como dirigente associativo: foi presidente da Associação de Estudantes da Faculdade de Economia do Porto e da Federação Académica do Porto.

Entrou no PS já adulto, em 2002, depois da demissão do primeiro-ministro António Guterres, em cujo gabinete foi assessor para a educação, a ciência, a tecnologia e a economia, sua área de formação. “Vou às reuniões do partido, mas não ando no percurso da carne assada”, ironiza, desvalorizando a apreensão com que o aparelho do PS vê a sua distância em relação às actividades partidárias. Embora, quem domine o assunto por dentro garanta ao P2: “Ele é muito atencioso com o PS-Lisboa.”

Confessa que gosta de “equilibrar a vida pessoal” e não está "24 horas por dia na política”, embora esteja “sempre com ela na cabeça”. E acrescenta que não está “na fase da vida em que os filhos já cresceram e saíram de casa”. Casado com Stéphanie Soulier Sá Silva, filha do antigo ministro da Agricultura Jaime Silva, Medina é pai de Rodrigo, de 5 anos, e de Henrique, de 3 anos, os quais leva todas as manhãs à escola, já que “de semana é muito difícil estar em casa à noite”.

O candidato garante que conhece “bem o partido”, mas que “a política já não é o que era” e que o próprio “PS mudou as regras ao introduzir as primárias”. Agora “já não é só o aparelho que elege o líder”. Além de que “os partidos perderam o monopólio ou mesmo a centralidade do debate político para as televisões, os jornais, as redes sociais”, apenas “mantêm o monopólio do acesso a candidaturas”.

E ironizando, questiona: “Há melhor caminho para um político do que um percurso como executivo?” – uma clara valorização do seu currículo, já que exerceu funções executivas em dez dos 12 anos que passou em cargos públicos. Foi secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional (2005-09), depois Adjunto, da Indústria e do Desenvolvimento (2009-11). De seguida, eleito como cabeça-de-lista por Viana do Castelo, esteve dois anos no Parlamento, como vice-presidente da bancada do PS e integrando a comissão de acompanhamento da troika. Até que Costa o foi buscar para número dois nas autárquicas de 2013, com o objectivo de preparar a sua sucessão. E Medina entrou nos Paços do Concelho como vereador responsável pelas Finanças.

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Entre 2005 e 2009 foi secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional JOANA BOURGARD/arquivo

Os almoços de domingo

“Há pessoas que vivem a pensar em lugares desde pequenos, eu não. A política faz parte da minha vida, mas como discussão – vem dos almoços de domingo, [em que o pai e o avô paterno] discutiam tudo menos o acesso a cargos”, garante, lembrando a herança que o marcou. É filho dos históricos dirigentes do PCP Helena Medina e Edgar Correia. O pai foi expulso do PCP em 2002, depois de décadas de militância iniciada na clandestinidade e na sequência de ter sido um dos principais responsáveis pelo movimento de renovação interna do PCP “Novo Impulso”, liderado por Luís Sá.

Nascido no Porto a 10 de Março de 1973, durante o período em que os pais viviam clandestinos, Medina foi criado em casa dos avós paternos e reconhece que essa educação foi uma das coisas que mais o influenciaram. “Os meus avós [Cacilda Maciel e Fernando Almeida Correia] tiveram um papel cívico importante de combate ao fascismo, ajudaram muitos a sair de Portugal. O meu avô esteve na campanha de Norton de Matos e de Humberto Delgado. Estava muito perto do PCP até à II Guerra Mundial e depois afastou-se.”

Voltando à imagem dos almoços de domingo, Medina recorda-a assim: “A minha educação é marcada pela participação cívica e política, mas num clima muito vivo de diferença de opinião entre o meu pai e o meu avô. O meu pai defendia ainda uma linha ortodoxa e o meu avô era muito crítico. Os almoços de domingo eram épicos. Eles tinham um afecto muito grande um pelo outro, mas acabavam sempre os almoços sem se falarem. Essa dialéctica marcou-me imenso.”

Na formação da sua personalidade salienta também a actividade política de Edgar Correia e Helena Medina: “Dos meus pais, há em mim o sentido de dedicação à política e à causa pública. Abdicaram de tudo. É evidente que nós, filhos [é irmão do cineasta Edgar Medina], nunca tivemos dificuldades materiais, éramos uma família com posses. Mas os meus pais eram de um grande despojamento de bens pessoais e de conforto. A causa era vivida com total despojamento.” Embora acrescente que eram pessoas muito diferentes. “O meu pai era mais fechado, mais cerebral, preocupado com o estudo, a teorização e o seu desdobramento prático. A minha mãe é mais fácil, mais simpática.”

Com o pai, Edgar Correia, histórico dirigente do PCP, e o irmão, Edgar Medina (o presidente da CML é o mais velho) fotografias cortesia fernando medina
Medina foi criado em casa dos avós paternos, no período em que os pais viviam clandestinos. Com o avô, Fernando Almeida Correia, figura marcante na sua educação política e cívica
Com a mãe, Helena Medina
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Com o pai, Edgar Correia, histórico dirigente do PCP, e o irmão, Edgar Medina (o presidente da CML é o mais velho) fotografias cortesia fernando medina

Mas por muito que diga gostar do confronto de ideias, que aprendeu a respeitar nas discussões entre o avô e o pai, Medina afirma que “a função de presidente da câmara não é um debate académico, é de uma pessoa que tem poder para decidir”. É uma resposta aos que o acusam de, no exercício do mandato, dar “a sensação de que entende as críticas políticas como pessoais”.

Um dos principais rostos da oposição camarária, o vereador sem pelouro do CDS João Gonçalves Pereira, considera que Medina “lida muito mal com a crítica, responde com arrogância e prepotência”, e que, quando é confrontado, “perde a cabeça, mostra agressividade como forma de defesa”.

Este retrato é relativizado por Roseta, que viveu a experiência de presidir a uma câmara, a de Cascais, entre 1982 e 1985. “A irritação que lhe apontam vai passar, a experiência vai fazê-lo desenvolver o lado negocial e a paciência, a paciência não é a qualidade dos jovens”, diz, sublinhando que a sua experiência no relacionamento com Medina – que conheceu já na câmara –mostra que ele “não dá logo o braço a torcer, mas ouve as críticas e reformula o pensamento”. Reconhece ainda que, “nos debates na Assembleia Municipal ele não se fica e nas reuniões de câmara responde à letra”, assim como que “é muito teimoso justificando que “isso é preciso em política”.

O próprio Medina considera que “há pessoas que não gostam” da sua “veemência e convicção”, mas salienta que procura “aprender com a crítica”. Olhando-se ao espelho, vê-se assim: “Não decido por impulso. Quando decido, gosto de ter ponderado com tempo – é o tempo da decisão.” Acrescenta que não parte para “o debate sem preparação, sem ter estudado o melhor possível” os assuntos, contrapondo: “Houve propostas que foram aprovadas com votos da oposição, depois de serem alteradas para acolherem as críticas.”

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Cara de menino

Nas críticas a Medina, há traços de personalidade que, ao P2, apenas militantes socialistas apontam negativamente. Consideram-no “frio”, “tímido”, “não exterioriza emoções”, “não fala com as pessoas na rua, nem passeia pela cidade” como Costa fazia. São precisamente estas características peculiares, o estilo próprio e a contenção de Medina que Roseta valoriza. “É importante ver como as pessoas acolhem amigavelmente a atitude dele. Tem uma cara de menino, o que engana um bocado, mas é um trunfo. As pessoas acham-lhe graça, dizem: ‘Olha o presidente, tão novinho e tão bonito.’ Ele não é uma pessoa popular, mas os grandes líderes são capazes de transformar as suas características pessoais em qualidades e isso é o que se lhe pede.”

As diferenças de personalidade em relação a Costa, seu antecessor em Lisboa e hoje primeiro-ministro, são recorrentes e não só dentro do PS. O vereador do CDS considera que “são dois mundos absolutamente diferentes” e garante: “Aprendi muito com Costa. Quando percebia que os documentos eram bons, dizia: ‘Aqui está uma boa razão para haver vereadores da oposição.’ E, com isso, esvaziava politicamente o confronto.” Já Medina, afirma Gonçalves Pereira, “é muito inseguro e isso transforma-se em falta de educação. Não tem humildade e seriedade para assumir o erro. E lida muito mal com a accountability, é-lhe difícil prestar contas.”

Roseta concorda que “Costa era mais criativo, politicamente mais intuitivo e tinha mais capital negocial”. E reconhece que Medina “não é tão visível” como o seu antecessor, “não é tão expansivo”. Mas argumenta que é normal que ele tenha querido “primeiro conhecer bem a cidade”, concluindo: “A timidez vinha da insegurança. Ele não tinha sido eleito, estava a chegar, agora domina os dossiers, tem segurança, está à-vontade.”

As comparações com Costa são consideradas como “injustas” pelo próprio Medina, já que “as características pessoais” são diversas. Além disso, “não se pode comparar mandatos diferentes”, diz, argumentando que, “quando se assume pela primeira vez [um cargo], não é o mesmo do que depois de vários [mandatos]”. E conta: “Quando comecei, estávamos num tempo exigente pela quantidade de projectos. Imagino que em 2007 Costa também tenha dedicado mais tempo a estar fechado e a resolver problemas. Agora, é verdade que não consigo ir a tudo.”

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Com Marcelo Rebelo de Sousa, Ferro Rodrigues e António Costa nas comemorações do 5 de Outubro de 2016 nuno ferreira santos

Numa coisa toda as pessoas com quem o P2 falou sobre Medina concordam: a sua solidez técnica e intelectual. “É bem preparado. Tem um pensamento estruturado e sem dúvida de esquerda” considera Roseta. Mesmo Gonçalves Pereira reconhece: “Tem como lado positivo o facto de tecnicamente ser bom, estudar os dossiers, ser exigente consigo mesmo e muito organizado.”

Além disso, Roseta destaca que Medina “é muito sensível às políticas públicas” e tem delas “uma visão muito integrada”. Salienta a forma como ele “tem trabalhado na inovação económica, tem tido um papel importante no desenvolvimento de um trabalho começado por Graça Fonseca, que teve bastante visão” – a actual secretária de Estado Adjunta e da Modernização Administrativa foi vereadora com os pelouros da Economia, Inovação, Educação e Reforma Administrativa entre 2009 e 2015.

A presidente da AM defende que Medina “percebeu muito bem os desafios de Lisboa” e não se limitou a continuar os projectos herdados de Costa, dos quais as obras públicas “em excesso” e as alterações ao trânsito que têm provocado críticas e polémica. Embora também tenha projectos seus, como o da renovação do Beato e o da Segunda Circular que acabou por ser suspenso, por decisão do próprio Medina, depois de serem detectadas irregularidades no concurso público lançado para a sua execução. Apostou em “dossiers estratégicos”, garante Roseta, que exemplifica: “Atirou-se à mobilidade dos transportes e à Feira Popular. E também ao da renda acessível, que está a ser desenvolvido pela veradora Paula Marques, mas é de Medina. Ele vai lá.”

Do seu trabalho na câmara, o próprio destaca o seu papel como vereador das Finanças. “Quando assumi, em 2013, o processo estava lançado, Costa fez uma recuperação importantíssima da câmara”, diz, recordando que nessa altura “tinha havido degradação da receita por causa da crise e pela mudança da lei das finanças locais” – o que obrigou a “conter ainda mais a despesa corrente e criar novas fontes de receita”. Mas, depois da crise, acrescenta, veio a recuperação económica. “Aproveitámos para reduzir a dívida e, em finais de 2014, o mercado imobiliário começou a estabilizar. E veio também a taxa do turismo. Reforçámos serviços que estavam a degradar-se como o do lixo e os bombeiros” explica, sublinhando: “Pagámos a dívida aos fornecedores. Somos das poucas instituições que pagam a pronto. E fizemos disso um ponto de honra. As prioridades foram pagar a dívida e fazer investimento.”

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Três promessas

Agora Medina candidata-se encabeçando uma lista a ser anunciada no final de Julho e que está a negociar com o movimento Cidadãos Por Lisboa. Mas há três questões que o presidente da Câmara irá anunciar amanhã, na apresentação da sua candidatura, no Palácio Galveias, e que define como prioritárias para o próximo mandato se for eleito: a mobilidade e os transportes, a habitação para a classe média e o turismo.

Sobre a "chaga" dos transportes públicos, Medina afirma que “o modelo actual de mobilidade não é sustentável”, já que assenta em “excesso no transporte individual”. Sublinha que “a incapacidade de construir um sistema de transportes é a grande falha dos últimos 40 anos na zona de Lisboa”, onde a política de transportes “não tem eficácia e não é equitativa”, pois estes “funcionam mal, são desajustados e caros”.

Nos últimos quatro anos, acrescenta, a situação piorou. Por um lado porque, com a retoma económica dos últimos dois anos, há mais 15 mil carros por dia na cidade. “Agora entram diariamente 370 mil carros, os quais todos alinhados iam daqui até Paris”. Por outro lado, sustenta que, “em termos de transportes, a política do anterior governo foi trágica”, uma vez que “defendia que o transporte público tinha de ser auto-sustentável”. O resultado, garante, foi “uma inversão grave”, os transportes públicos “perderam 100 milhões de passageiros” e só a “Carris perdeu 30% das linhas”.

Esta será “a prioridade central” no próximo mandato e o investimento também aumentará. Uma política que já iniciou. “Em três meses de Carris na câmara houve mais 300 mil viagens de pessoas com mais de 65 anos, para quem o passe ficou mais barato. Os jovens até aos 12 anos estão isentos de pagar e fizeram mais 60 mil viagens”. Foram já comprados 250 autocarros e contratados 220 novos motoristas.

A segunda área de intervenção que elege é a habitação. Medina diz que este “não é um problema novo”. Lembra que até à presidência de João Soares “o problema era a habitação social e foi feito um trabalho notável”. Agora, acrescenta, “o desafio é a habitação para a classe média, pessoas com rendimentos entre 600 e 1500 euros, que poderão ter casa entre 150 a 400 euros”. E conclui: “Essa oferta é limitada para as necessidades.”

A solução por si preconizada já foi lançada com “reabilitação e construção da habitação com oferta de iniciativa pública, em terrenos e edifícios da câmara, mas feita por privados e com rendas condicionadas”. Segundo Medina, “foram lançadas 6.300 habitações numa primeira fase e a câmara aponta para disponibilizar 20 mil casas, com a intenção de “assegurar uma oferta que influencie o mercado”.

Quanto ao turismo, Medina começa por dizer que este é “um tema que está a começar, mas que vem para ficar”, pelo que têm de se “ir encontrando as respostas sobre como o seu crescimento não comprometerá a qualidade de vida” na cidade. O autarca salienta que é preciso encontrar soluções para questões como a do “aumento da pressão sobre infra-estruturas, por exemplo o lixo ou os transportes”, ou a de o turismo "não ter uma distribuição uniforme na cidade, ser concentrado”. Em suma, afirma: “Defendo o crescimento do turismo, mas que seja sustentável, a cidade tem de ser preparada para ele”. E avisa que não adere “a teses conservadoras”: "O turismo é importante.” – entre 2005 e 2015 cresceu cerca de 10% ao ano.

Três promessas ambiciosas para um mandato de maioria absoluta, em que o “menino de ouro” poderá crescer, afirmar-se como segunda figura do partido e, então, pensar sobre se pode e quer satisfazer todas as expectativas que o PS em si deposita. Essa maioria chegará?

Este artigo encontra-se publicado no P2, caderno de Domingo do PÚBLICO

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