Aberto inquérito ao incêndio de Londres que pode ter morto cem pessoas

Investigação à causa deverá demorar meses assim como a recuperação e identificação das vítimas. Bombeiros já não esperam encontrar ninguém com vida.

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Muitos habitantes queixam-se de não ser ouvidos STEFAN WERMUTH/Reuters

As autoridades dizem que a investigação ao que provocou um enorme incêndio numa torre de habitação social em Londres poderá levar meses, quando a polícia diz que é certo que o número de mortos será mais do que os actuais 17 registados, mas espera que não suba para mais de cem – apenas seis foram identificados, sendo o primeiro um refugiado sírio

O estado da enorme torre de 24 andares leva a que as buscas sejam complexas e o grau de destruição implica que a recuperação e identificação das vítimas seja um processo também moroso. Imagens do interior mostram divisões totalmente carbonizadas e destruídas, e foi preciso fazer reforços estruturais antes da entrada de bombeiros e cães. Ainda havia pequenos focos de chamas, e o cheiro a fumo mantinha-se. Muitos dos moradores usavam máscaras ao andar na rua.

A primeira-ministra, Theresa May, fez uma “visita privada” ao local, e mais tarde anunciou uma investigação pública ao incêndio. Foi alvo de críticas por não ter falado com os sobreviventes.

Já o líder da oposição, o trabalhista Jeremy Corbyn, esteve no local a falar com moradores e propôs que o Governo faça uma requisição das muitas casas desabitadas na zona para abrigar os sobreviventes desalojados. 

O presidente da Câmara de Londres, Sadiq Khan, também esteve no local declarando que “há perguntas que têm de ter uma resposta”, nomeadamente em relação aos conselhos para as pessoas se manterem dentro das suas casas em caso de incêndio num prédio. “Felizmente muitas das pessoas não seguiram este conselho e saíram.”

Mas muitas outras não conseguiram sair porque as chamas estavam já na escada, uma única em todo o prédio. O incêndio começou pouco depois da meia-noite de quarta-feira e muitos residentes foram vendo cada vez mais fumo entrar em casa sem ter uma possibilidade de escapar – vários contactaram familiares e amigos descrevendo o que se passava.

A primeira vítima identificada, Mohammed Alhajali, 23 anos, esteve ao telefone cerca de duas horas com um amigo que estava na Síria, tentando, sem sucesso, contactar a família.

Depois de terem resgatado 65 pessoas, os bombeiros não têm esperança de que mais ninguém dentro do prédio esteja vivo. Das 37 pessoas hospitalizadas, 17 estão em estado grave.

"Mini-máfia", acusam moradores

Embora a causa seja desconhecida, as atenções focavam-se na rapidez com que as chamas alastraram pelo exterior do edifício.

O prédio era de habitação social mas tinha gestão privada, e há muito que os habitantes denunciavam ligações que diziam duvidosas - uma "mini-máfia", acusava um blogue dos moradores.

A empresa gastou cerca de dez milhões de libras (mais de 11 milhões de euros) em obras incluindo o revestimento da fachada do edifício, suspeitando-se que este era de um material altamente inflamável e que este foi um facto decisivo na rapidez com que as chamas alastraram.

O Governo ordenou ainda uma verificação aos prédios que usem revestimento semelhante – segundo  Matthew Needham-Laing, arquitecto e advogado especializado em questões de construção, há anos que o material é motivo de preocupações de segurança. Usado desde 1991, algumas estimativas apontam para que existam cerca de 30 mil edifícios no país com este tipo de revestimento, que aumenta o isolamento e assim a eficiência energética de um modo relativamente barato.

E a mistura do público e do privado só torna tudo pior: a empresa que gere o prédio, localizado em Kensington and Chelsea, a zona mais rica de Londres, fez alterações no prédio para aumentar o espaço disponível para arrendar ou vender, e segundo a revista norte-americana The Atlantic, isso fez com que a torre acabasse por ter apenas uma escada.

Segundo um relatório de 2011 citado pela Atlantic, três quartos da habitação social britânica não tem segurança em caso de incêndio.

A avaliação de risco dos prédios de habitação também se tornou “menos rigorosa” desde que a responsabilidade passou dos bombeiros para os proprietários dos edifícios, disse à estação de televisão BBC Sian Berry, presidente da comissão de habitação da Assembleia Municipal de Londres.

"Não nos ouvem"

Nas redondezas do prédio juntavam-se esta quinta-feira manifestações de dor, raiva, e solidariedade.

A jornalista do Guardian Harriet Sherwood conta como num dos locais em que voluntários recolhiam donativos muitas pessoas estavam zangadas com a falta de atenção de anos e anos de queixas dos residentes da Grenfel Tower – e dos mais habitantes da zona em geral.

“As pessoas estão furiosas com anos e anos de políticas conservadoras de cortar despesas”, disse a voluntária Sinead O’Hare ao Guardian, falando ainda da primazia dos “interesses das empresas e senhorios privados” sobre os das pessoas.

Alguns habitantes criticaram os media por “não terem aparecido” quando houve queixas e apenas agora que há mortos - vários fotógrafos e operadores de câmara foram empurrados. “Os blogues estão activos há anos”, gritava um residente, falando dos relatos de potencial insegurança e ligações duvidosas das empresas. “Ninguém se interessou.”

“Eles não nos ouvem” era uma frase repetida na vizinhança, nota também a BBC. Uma das habitantes que a diz é Christina Simmons, 56 anos, que vive numa rua perto da torre que ardeu. “Somos negligenciados e ignorados. Estou mesmo zangada”.

Os habitantes dizem que a privatização de serviços como creches estão a deixar a zona impossível para a classe média viver.

A deputada trabalhista Emma Dent Coad, que ganhou o seu lugar por este círculo eleitoral historicamente conservador nas eleições da semana passada, fez campanha sublinhando os problemas trazidos pela gentrificação.

Dent Coad acusa agora as autoridades de terem feito a obra para que o edifício “ficasse menos feio”. “A ideia de que isso tenha levado a esta tragédia é incompreensível”, declarou.  

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