Lacerda Machado troca cargo de consultor do Governo pelo de administrador da TAP

Contrato do consultor do primeiro-ministro termina dentro de 15 dias. Escolha de novo administrador não executivo da TAP levantou críticas da esquerda à direita.

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Lacerda Machado diz-se orgulhoso do trabalho feito na reversão da privatização da TAP Rui Gaudêncio

A nomeação de Diogo Lacerda Machado para administrador não executivo da TAP reuniu esta segunda-feira os partidos da oposição e até os que apoiam o Governo num coro de críticas, ainda que com tons diferentes. O próprio Lacerda Machado veio a terreiro defender-se das acusações de Passos Coelho, dizendo que se sente “orgulhoso” pela escolha, mas isso não bastou para acalmar os partidos que querem mais escrutínio destas nomeações.

Diogo Lacerda Machado passará directamente do cargo de consultor do Governo para administrador não executivo da companhia aérea. O contrato que Lacerda Machado tinha com o executivo, depois da polémica sobre a sua ajuda pro bono em dossiers como a reversão da privatização da TAP ou a solução para os lesados do BES, “termina, como inicialmente previsto, a 30 de Junho e não será renovado”, respondeu o gabinete de António Costa, questionado pelo PÚBLICO. A data coincide com a assembleia geral da empresa, marcada para o final do mês e que deverá confirmar a entrada em funções da nova administração liderada pelo social-democrata Miguel Frasquilho.

A polémica sobre a decisão de convidar o advogado Lacerda Machado, amigo próximo do primeiro-ministro, para a TAP foi levantada pelo presidente do PSD. Passos Coelho repetiu no fim-de-semana que a nomeação era uma “pouca-vergonha” e nesta segunda-feira os sociais-democratas elevaram ainda mais o registo das críticas. Na newsletter do partido, o deputado Leite Ramos diz mesmo que Lacerda Machado “está intimamente ligado ao problema financeiro da TAP”, uma vez que, “como administrador da Geocapital, foi responsável pelo buraco enorme da empresa de manutenção no Brasil”.

A insistência nas críticas do PSD levaram o visado a defender-se. Em declarações ao Expresso, Lacerda Machado disse ter “imenso orgulho” no que fez, por ter tornado “possível reconfigurar a privatização da TAP num modelo em que os privados investem o mesmo, mas ficam com 45% do capital da empresa, em vez de 61%”.

É sobretudo por causa desse “modelo” de reversão da privatização que soam as críticas à esquerda. O deputado do PCP Bruno Dias disse nesta segunda-feira que não se trata de uma questão “de ser amigo de quem é, mas do percurso”. E lembrou que Lacerda Machado defende uma solução para a TAP que "merece a crítica" do PCP. Para os comunistas, o que está mal é a solução adoptada para a TAP, que não “salvaguarda o interesse nacional”. Ora essa solução foi conseguida pelo futuro administrador da companhia.

O BE enviou perguntas ao Governo: quais os critérios na escolha de Lacerda Machado; e porque é que, de entre todos os escolhidos, só um administrador tem experiência no sector? O deputado Heitor Sousa, em declarações ao PÚBLICO, diz não descartar outras iniciativas no Parlamento, nomeadamente propor a alteração do modo como estes administradores são nomeados. Mas isso, diz, “depende da resposta do Governo”. Isto, porque na pergunta endereçada ao executivo, o BE questiona se para o Governo há a “possibilidade” de “todos os membros que venham a ser nomeados para conselhos de administração do sector empresarial do Estado ou de empresas mistas mas em que o Estado tenha uma posição dominante venham a ser escrutinados” no Parlamento.

Já o CDS foi mais comedido, recusando fazer uma “fulanização”. Pedro Mota Soares questionou, no entanto, se a escolha dos administradores passou pelo crivo da Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública (CRESAP): "Não nos passa sequer pela cabeça que o Governo proceda a estas indicações sem ter previamente consultado a própria CRESAP".

Por parte do Governo, não há dúvidas de que os gestores por si nomeados não têm de passar pelo crivo da CRESAP, já que a TAP é considerada uma empresa privada.

Ao lado de Lacerda Machado, vão estar Bernardo Trindade, ex-secretário de Estado do Turismo de José Sócrates (e que esteve para ir para a CGD), e Esmeralda Dourado, a gestora que o actual Governo já convidou para fazer parte da unidade de missão ligada à recapitalização das empresas e que participou na campanha presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa. Depois, entre os administradores nomeados pelo accionista Estado (via Parpública) estão também a economista Ana Pinho, presidente da Fundação Serralves - e que esteve com o actual presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, na Associação Comercial do Porto - e António Menezes, ex-presidente da Sata, companhia área dos Açores, e que é hoje o CEO do grupo suíço PrivatAir. Por fim, o cargo de presidente do conselho de administração ficará entregue a Miguel Frasquilho, ligado ao PSD e que deixou há pouco tempo a presidência da AICEP (organismo estatal ligado aos investimentos e exportações).

Miguel Frasquilho terá voto de qualidade nas deliberações do conselho de administração, o que garante alguma influência na gestão da empresa, já que a comissão executiva será toda preenchida por representantes dos privados. Fernando Pinto continua a liderar as operações do grupo, tendo a seu lado, além dos accionistas David Neeleman e Humberto Pedrosa, David Pedrosa (filho deste último) e Maximilian Otto Urbahn (escolhido por Neeleman), todos escolhidos pelo consórcio Atlantic Gateway. Agora, resta saber a formação exacta dos gestores nomeados por Pedrosa e Neeleman, e que irão a votos na assembleia geral extraordinária que está a ser convocada para o próximo dia 30 deste mês, conforme adiantou o Expresso.

O sexto nome apontado pelos privados poderá ser o de um representante do grupo chinês HNA, accionista da companhia Azul (de Neeleman) e que se coloca como futuro accionista directo da TAP. O PÚBLICO questionou fonte oficial da Atlantic Gateway, mas não obteve resposta.

De acordo com a convocatória, a eleição para os novos membros do conselho de administração (de onde emana a comissão executiva) é válida para o mandato em curso, de 2015-2017.

No dia 30, no Meo Arena, em Lisboa, os accionistas, incluindo os trabalhadores que compraram acções da TAP (alguns com o apoio de sindicatos), vão pronunciar-se sobre “as contas e actividades” da empresa e sobre as alterações às acções. Segundo se lê na convocatória, o ponto 3 diz respeito à “conversão de parte das acções ordinárias da sociedade em acções das categorias A e B”.

Este processo está ligado às negociações dos privados com o actual Governo, que quis ficar com 50% do capital. Em troca, os privados negociaram um reforço dos direitos económicos, com a criação de diferentes tipos de acções: A (com mais direitos), B (com menos direitos), e C (que se assumem como as mais relevantes, via conversão de obrigações emitidas no ano passado e compradas pela Azul, e pela Parpública). O Estado terá no máximo 18,75% dos direitos económicos (como os lucros a distribuir ou o encaixe de venda de activos), entre acções B e C.

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