Número de telemóveis apreendidos nas prisões duplicou em seis anos

Proibidos atrás das grades, os telemóveis chegam aos reclusos escondidos em sapatos, televisões e bolas. E são vendidos a até 500 euros. Faz seis anos que entrou em vigor o Regulamento Geral, que reduziu as chamadas nas cabines das prisões. Director-geral diz que está na hora de fazer reajustes.

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Nuno Ferreira Santos

O número de telemóveis apreendidos nas 49 prisões portuguesas não pára de crescer desde que entrou em vigor o Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais, faz sábado seis anos. Os registos da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais vão de 1090 em 2011 para 2094 em 2016. São mais de cinco por dia.

Até há seis anos, cada cadeia tinha o seu regulamento. A gestão dependia muito dos directores. A frequência e a duração das chamadas telefónicas, por exemplo, tinham mais que ver com os horários das prisões, o tamanho das filas que se formavam a partir das cabines telefónicas, a disponibilidade monetária de cada recluso do que com limites impostos por regulamentos e directores.

O regulamento geral alterou essa dinâmica: restringiu o uso do telefone a uma chamada com a duração máxima de cinco minutos por dia para o advogado/solicitador e outra para familiar ou pessoa de confiança. As queixas dos reclusos fizeram-se ouvir do lado de fora dos muros.

O director-geral, Celso Manata, conhece as queixas. “Acho que têm razão”, diz. “Cinco minutos é pouco. Ainda por cima, há um problema no sistema. Deviam ter os cinco minutos independentemente do número de telefonemas.” Esse é um problema que, garante, está a tentar resolver. Já alargar a duração das chamadas é algo que só poderá ser feito pelo legislador.

“O regulamento trata de tudo”, sublinha Manata. Parece-lhe que está na hora de o reajustar. E que um dos itens a alterar é a duração das chamadas. “A ideia que eu tenho é que a senhora ministra da Justiça está disponível para resolver este assunto.” Admite a possibilidade de o regulamento ser revisto “lá para o final do ano”. Neste momento, há outras prioridades. Conforme o Orçamento do Estado 2017, o Governo deve elaborar até ao final de Junho um relatório sobre as necessidades de reabilitação das infra-estruturas da rede de prisões e do reforço dos recursos humanos.

O número de telemóveis apreendidos, entretanto, cresce de ano para ano. O registo da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais comprova-o: 1090 em 2011, 1211 em 2012, 1222 em 2013, 1637 em 2014, 1759 em 2015, 2094 em 2016.

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Parte da confiscação ocorre à entrada das prisões, durante as revistas feitas a visitantes e a reclusos. O presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional, Jorge Alves, já explicou que entram “nas sapatilhas, nos tacões e até dentro de televisões e consolas de videojogos destinados a reclusos”. No seu entender, é preciso mais guardas, formação específica e um regulamento específico.  

Também há histórias de arremesso do exterior para o recreio, por exemplo, de telemóveis enfiados dentro de bolas. E de funcionários e de elementos do corpo da guarda envolvidos na entrada de objectos proibidos nos estabelecimentos prisionais. Vários têm sido constituídos arguidos e alguns estão presos. “É um negócio”, resume Manata. Um telemóvel, pequeno, discreto, pode custar até 500 euros numa prisão. Mas o director-geral rejeita a possibilidade de haver mais telemóveis a entrar nas cadeias. Atribui o aumento das apreensões a “uma atitude mais activa”. “Têm sido feitas revistas a celas à noite. Temos uma atitude mais colaborante com a Polícia Judiciária.” 

Impacto das restrições

O controlo das chamadas a que os reclusos têm direito não se esgota no número e na duração das mesmas. O contacto tem de ser feito sob o controlo visual de um elemento da guarda nas cabines instaladas nas alas prisionais. As cabines funcionam através de cartão e só permitem acesso a dez contactos autorizados. Os reclusos não podem ligar para quem lhes apetecer. Os serviços têm de verificar a identidade dos destinatários e o tipo de relação que têm com os reclusos. E os destinatários têm de declarar por escrito que autorizam.

“A restrição de telefonemas veio prejudicar a preservação de laços familiares”, avalia Rafaela Granja, investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. “Muitos reclusos têm poucas visitas prisionais, porque os custos associados são elevados e dependem da disponibilidade dos familiares”, lembra. “Os telefonemas servem para saber como estão os filhos, para negociar quem vem à visita, o que fazer nas saídas jurisdicionais, para que casa é que se vai.”

De acordo com o regulamento, “o director do estabelecimento prisional pode autorizar contactos mais frequentes ou de maior duração ao recluso que não receba visitas regulares”. Também pode “autorizar a recepção de chamadas, excepcionalmente, por motivos de particular significado humano, designadamente em caso de doença grave ou falecimento de familiar próximo”. Mas é sempre uma decisão caso a caso.

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O que existia antes também incluía alguns problemas. As prisões estão sobrelotadas. “Há duas ou três cabines telefónicas por ala prisional. Os reclusos com mais recursos conseguiam ficar mais tempo ao telefone, o que gerava alguma discórdia”, salienta Rafaela Granja. Quiseram evitar esses e outros problemas. E “isso tem efeitos colaterais”. Ao fazer investigação em duas cadeias, muitas vezes ouviu: “Face a isto, a minha única opção é arranjar um telemóvel. Não obstante ser ilegal, prefiro isso a não poder falar com os meus filhos.”

Há reclusos que têm dois ou três telemóveis, um para usar e outro para “dar à morte”, isto é, para despistar a guarda, diz Jorge Alves. Outros — por norma sem retaguarda familiar, sem dinheiro — são pagos para guardar os aparelhos ou para assumir o seu uso. Numa cela com quatro ou cinco reclusos, a guarda apanha um aparelho e há logo alguém que diz: “É meu.”

Às vezes, conta o sindicalista, o recluso é apanhado porque um guarda o viu online no Facebook.

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