No combate ao VIH, Portugal já atingiu uma das metas da ONU para 2020

Dados de 2016 sobre a infecção por VIH foram apresentados nesta segunda-feira. Dirigente da ONUSIDA exorta Portugal a ser o primeiro país a pôr fim à epidemia.

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Por comparação a 2000, houve uma quebra de mais de 70% de novos casos de infecção por VIH Luis Efigénio/nFACTOS

Portugal já atingiu uma das metas para 2020 definidas pelo Programa Conjunto das Nações Unidas para o VIH/sida — ONUSIDA. Das 45.501 pessoas que se supõe estarem infectadas com o VIH, 90,3% estão já diagnosticadas.

As chamadas metas 90-90-90 da ONUSIDA estabelecem o seguinte: em 2020, 90% das pessoas infectadas devem estar diagnosticadas; destas, 90% devem estar em tratamento e, neste grupo, 90% devem ter uma carga viral indetectável, não podendo assim infectar terceiros.

“É um dia histórico”, comentou o secretário de Estado Adjunto e da Saúde, Fernando Araújo, a propósito dos dados apresentados nesta segunda-feira por Isabel Aldir, coordenadora do Programa Nacional para a Infecção VIH, SIDA e Tuberculose, e também a propósito da adesão dos primeiros três municípios portugueses (Lisboa, Porto e Cascais) à rede internacional Cidades na via rápida para acabar com a epidemia VIH. “É um dos dias históricos que já vivi”, dissera também antes o dirigente do Grupo de Activistas em Tratamento (GAT), Luís Mendão.

Ao ambiente de quase festa que presidiu à apresentação do mais recente balanço do VIH em Portugal, juntou-se também o vice-director executivo da ONUSIDA, Luiz Loures, que desafiou o país a ser o primeiro a pôr fim à epidemia. “Portugal tem todas as condições para começar a discutir o fim da epidemia. O fim da sida aqui já começou”, disse.

Entre as condições que catapultam Portugal para um lugar de destaque, Luiz Loures destacou a legislação existente, “provavelmente a mais avançada do mundo”, porque protege contra a discriminação, e a colaboração entre as autoridades e a sociedade civil na luta contra a epidemia. “Portugal está na moda porque é hoje visto como um país que faz bem”, diria no fecho da sessão o ministro da Saúde, Adalberto Fernandes.

Mas o que dizem então os dados de 2016 sobre a epidemia de VIH em Portugal? Que se atingiu o número mais baixo de novos casos de SIDA desde 2000. Os números, que são ainda provisórios, apontam para 841 novos casos. No ano anterior tinham sido 1198. Por comparação a 2000, registou-se uma redução de 73,5%.

As autoridades de saúde atribuem esta quebra “ao acesso a esquemas terapêuticos mais eficazes e à implementação de políticas e estratégias na área das drogas, nomeadamente a descriminalização do uso e a adopção de programas de redução de riscos”, de que é exemplo a troca de seringas. O resultado é que há muito menos toxicodependentes infectados pelo VIH, frisou Luís Mendão.  

Aumento de casos de sida

Mas nem tudo são boas notícias. A incidência da epidemia continua a ser mais alta do que a média na União Europeia (UE): a taxa nacional é de 8,1 novos casos por 100.000 habitantes, enquanto na UE este valor é de 6,3.

E registou-se, por outro lado, um aumento das pessoas que já desenvolveram sida. Ou seja, que foram tardiamente diagnosticadas. Nos 841 novos casos detectados no ano passado, há 161 que são já de sida. “Verificou-se um aumento no valor percentual dos casos de sida (de 15,3%, em 2015, para 19,1%, em 2016) “, lê-se no relatório.

Estes dados confirmam a necessidade, segundo a responsável do Programa Prioritário para a área da Infecção VIH, SIDA e Tuberculose, do diagnóstico precoce e, para esse efeito, um dos objectivos estabelecidos para este ano é o de aumentar em 15% o número de testes rápidos de VIH realizados nos Centros de Aconselhamento e Detecção Precoce, nos cuidados de saúde primários e nas estruturas de base comunitária. Estas últimas foram descritas por Isabel Aldir como “parceiras fundamentais dos serviços de saúde”, sendo a sua acção um dos “factor-chave para o sucesso da resposta à infecção por VIH”. E isto porque conseguem chegar “às pessoas que se encontram fora da rotina dos sistemas de saúde e dos serviços sociais”.

E qual é então o perfil dos novos infectados? Dos 841 novos diagnósticos de VIH feitos no ano passado, 57% dizem respeito a heterossexuais. O segundo grupo é o dos homens que têm sexo com outros homens (35%), onde a idade de infecção é também mais baixa. Ronda os 31 anos. Nos heterossexuais está nos 41.

No geral continua a tratar-se de um problema de saúde maioritariamente masculino: 73% dos novos diagnósticos referem-se a homens.

Os responsáveis do programa nacional de VIH/sida depararam-se ainda com um fenómeno que lhes tem causado alguma perplexidade: dos mais de 44 mil casos diagnosticados até hoje só cerca de 34 mil estão a ter seguimento médico. O que se passa com os outros? Terão morrido, não tendo a sua causa de morte tido nada a ver com a sida? Emigrado? Ninguém sabe bem, mas deslindar o mistério faz parte das prioridades para 2017.

Cidades contra o VIH

Prioritária também é a actuação nas grandes cidades já que cerca de dois terços do número de novos casos de VIH se registaram nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. Estes dois municípios em conjunto com Cascais juntaram-se, nesta segunda-feira, às cerca de 200 cidades espalhadas pelo mundo que assinaram a Declaração de Paris, lançada em 2014 para que as metrópoles se envolvam no combate ao VIH. Um dos principais objectivos desta rede é o de acabar com esta epidemia nas cidades até 2030.

As autoridades de saúde parecem não ter dúvidas sobre o papel que as autarquias têm de desempenhar neste combate: “Tornar as cidades inclusivas e sustentáveis não será viável sem que as autoridades municipais assumam a necessida­de de garantir uma vida saudável a todos os seus muníci­pes, controlando a sida e reduzindo as hepatites, abordando o consumo de substâncias ilícitas e reduzindo as desigualdades. As políticas locais podem abordar as necessidades com mais resiliência e adaptar-se melhor às prioridades em movimento.”

No relatório apresentado afirma-se ainda que as cidades oferecem “uma oportunidade única para canalizar esforços, reduzindo as desigualdades e favorecendo a integração social das populações marginalizadas” e que, por isso, estão mais vulneráveis ao risco de infecção. Entre estes grupos é preciso dar particular atenção aos imigrantes que estão em situação irregular, alertou Luís Mendão. “É necessário eliminar as barreiras no acesso à saúde”, frisou.

“É preciso chegar às populações mais vulneráveis”, “alargar as políticas de prevenção” e garantir que os “serviços de saúde as recebem sem constrangimentos”, acrescentou o secretário de Estado Adjunto e da Saúde Fernando Araújo. com Ana Henriques

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