A sombra do Daesh nas Filipinas choca com o punho de Rodrigo Duterte

Presidente das Filipinas impõe a lei marcial em Mindanau e admite estendê-la ao resto do país. Críticos temem que sirva de desculpa para violar os direitos humanos.

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Os militares vão controlar as ruas durante pelo menos dois meses CERILO EBRANO/EPA

Os habitantes do Sul das Filipinas, na região mais próxima da Indonésia, vão viver os próximos dois meses debaixo das ordens dos militares, depois de o Presidente, Rodrigo Duterte, ter imposto a lei marcial em resposta ao aumento da violência relacionada com grupos islamistas.

Há décadas que vários grupos extremistas tentam tornar-se independentes das Filipinas e estabelecer um Estado islâmico no Sul do país, mas já houve períodos de maior violência do que agora – um dos principais grupos, o Abu Sayyaf, é responsável por vários ataques ao longo dos anos, com sequestros e execuções de cidadãos filipinos e estrangeiros.

A onda de violência desta semana começou terça-feira, após uma operação fracassada do Exército das Filipinas. Depois de terem recebido a informação de que o líder do Abu Sayyaf, Isnilon Hapilon, tinha descido das montanhas para receber tratamento na cidade de Marawi, as autoridades lançaram aquilo a que chamaram uma "operação cirúrgica" para o capturar ou matar.

Mas os elementos das forças especiais foram recebidos por um exército de extremistas formado por combatentes do Abu Sayyaf e de outros grupos mais pequenos, como o Maute – apesar de lutarem em grupos diferentes, os extremistas do Sul das Filipinas estão cada vez mais unidos na luta pela declaração de um Estado islâmico na região.

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Na sequência dessa operação, na terça-feira, os combates alastraram-se a outras zonas da cidade, com o Exército a bombardear posições dos extremistas e estes a fazerem reféns entre a população – esta quinta-feira foi anunciada a libertação de 120 pessoas que estavam sequestradas num hospital e que serviram de escudo humano ao Abu Sayyaf e ao Maute.

Em resposta à violência, Rodrigo Duterte fez o que se esperava de um presidente que foi eleito com promessas de combater a criminalidade com extrema violência – impôs a lei marcial em toda a ilha de Mindanau, o que significa que nos próximos 60 dias a polícia e o Exército têm autoridade para deter e interrogar qualquer pessoa sem precisarem de mandados dos tribunais. Na prática, toda a região deixa de ser administrada por responsáveis civis e passa a ser controlada pelo Exército.

Esta declaração tem de ser ratificada pelo Congresso na próxima segunda-feira, mas o maior partido da oposição já disse que não se opõe à decisão do Presidente. Ainda assim, os críticos de Rodrigo Duterte avisam que a violência na cidade de Marawi não significa que a lei marcial deva ser alargada às outras duas grandes ilhas das Filipinas – Luzon, a norte, e Visayas, no centro.

Mas foi essa a ameaça de Rodrigo Duterte, que chegou esta quinta-feira a Mindanau depois de ter interrompido uma viagem a Moscovo, onde se encontrou com o Presidente russo, Vladimir Putin. Ainda em Moscovo, Duterte prometeu que não hesitará em decretar a lei marcial em todo o país se a violência dos grupos extremistas não for contida em Mindanau – uma hipótese que os analistas consideram ser pouco provável devido à relativa fragilidade desses grupos, e que as organizações de defesa dos direitos humanos temem porque acusam Duterte de querer uma desculpa para fortalecer a sua visão autoritária da democracia. Assim que foi eleito, no ano passado, o Presidente das Filipinas lançou uma operação de combate ao tráfico e ao consumo de droga que já fez pelo menos nove mil mortos – organizações como a Human Rights Watch dizem que essa operação promoveu e facilitou milhares de homicídios à margem das leis por polícias, militares e vigilantes.

Apesar de grupos como o Abu Sayyaf não representarem um perigo existencial para o resto do país, a situação na ilha de Mindanau é diferente, em particular na região sudoeste – é uma zona de maioria muçulmana, ao contrário do resto do país, que é de maioria católica, e muito permeável às tentativas do Daesh de alargar a sua sombra no Sudeste asiático, agora que está a perder terreno na Síria e no Iraque. Devido a essas perdas, as autoridades filipinas dizem que vários combatentes do Daesh oriundos do Sudeste asiático estão a regressar aos seus países.

O homem que as autoridades filipinas procuram, Isnilon Hapilon, é um dos terroristas mais procurados pelo FBI norte-americano, que oferece cinco milhões de dólares a quem der informações que levem directamente à sua captura. Hapilon é conhecido como líder do Abu Sayyaf, mas há três anos divulgou um vídeo em que declarou o corte da ligação à Al-Qaeda e a sua lealdade a Abu Bakr al-Baghdadi, o líder do Daesh – no ano passado, Isnilon Hapilon passou a ser conhecido como Abu Abdullah al-Filipini e foi declarado emir dos combatentes do Daesh nas Filipinas.

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