A América entre as raças

Eu Não Sou o Teu Negro confronta-nos com a ideia do sonho americano — ou de qualquer sonho civilizacional — como uma fantasia predicada sobre a exclusão do outro.

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Sim, é de raça que se fala no filme que Raoul Peck criou a partir de uma obra inacabada de James Baldwin; mais especificamente, da história desconfortável e não raras vezes perturbante de uma América que nunca soube pacificar a relação entre as raças, e que ainda hoje, todos estes anos depois da morte do escritor, continua dilacerada por isso.

Mas o que é, ao mesmo tempo, espantoso e desesperado em Eu Não Sou o Teu Negro é como Baldwin não falava apenas da relação entre as raças mas, de um modo mais lato, da própria relação com o outro, com a diferença, com a alteridade.

Porque, como o próprio escritor diz, quer na voz off lida por Samuel L. Jackson quer nos múltiplos extractos de entrevistas e conferências de arquivo que Peck alinha ao serviço das suas palavras com um virtuosismo quase insultuoso, “a história não é o passado, é o presente, transportamo-la connosco, somos a nossa própria história”. Como quem diz que de nada serve olharmos para isto de fora, achar que não é nada connosco, que isto é uma questão “lá deles”. Não é.

Eu Não Sou o Teu Negro confronta-nos com a ideia do sonho americano — ou de qualquer sonho civilizacional — como uma fantasia predicada sobre a exclusão do outro, e que a própria máquina de imagens de Hollywood transmitiu para todo o mundo sem forçosamente ter consciência absoluta do que estava a fazer. Mais do que apenas um documentário, o filme de Raoul Peck é um documento do pensamento de um escritor atento como poucos à verdade de um país escondida por entre a sua ficção. 

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