Fecho da CGD em Almeida é mais uma peça caída no "dominó" da desertificação

A população está preocupada com a influência que o encerramento do balcão da Caixa Geral de Depósitos possa ter noutros serviços.

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O encerramento faz parte de um plano de supressão de 61 agências em todo o país LUSA/MIGUEL PEREIRA DA SILVA

Entre um grupo de turistas que chega a Almeida pelo acesso principal ao centro histórico ouve-se dizer “olha, ali é que é a Caixa Geral de Depósitos”. Nas últimas duas semanas, a imagem daquela agência do banco público tornou-se subitamente reconhecível, alvo de atenção mediática com a invasão por autarcas e populares para protestar contra o seu encerramento.

Na Praça da República, onde está o edifício de dois pisos que a CGD ocupa há mais de três décadas, subsistem alguns pequenos negócios. Um minimercado, uma sapataria, uma agência funerária e um bar. Atrás do balcão do bar São Francisco está Edmundo Ribeiro, que fala com um misto de desalento e indignação sobre o recente fecho. Quem ia ao banco representava entre 10% a 15% da clientela do bar que abriu há 22 anos, estima. “Para mim isto é uma bomba”. Nos dias da semana desde o fecho da delegação “já se notou a diferença”, lamenta.

Pedro Tomé e Elsa Marcos juntam-se à conversa. Casados, vivem no Sabugal, concelho vizinho, onde também se fazem sentir as dores do interior. “O país interior está a morrer, mas também estão a matá-lo” diz ela, que é de Almeida e tem ali familiares. A partir de agora, a delegação mais próxima da CGD passa a estar a 15 quilómetros, em Vilar Formoso, embora ainda concelho de Almeida. Parte da população é idosa, pelo que não tem carro, lembra. Uma viagem de táxi (ida e volta) à localidade fronteiriça custa cerca de 25 euros. “Como é que pessoas que ganham 200 euros de pensão vão pagar? É apresentar as contas do táxi à Caixa”.

Por outro lado, Edmundo Ribeiro acrescenta que, na passada quinta-feira, para tratar de questões relacionadas com o serviço de notariado, que funciona no centro de Almeida, já houve quem tivesse que ir a Vilar Formoso.

O encerramento faz parte de um plano de supressão de 61 agências em todo o país, sendo que 18 são na região de Grande Lisboa. Mas, em Almeida, a contestação ganhou destaque por esta passar a ser a única sede de município do país sem uma dependência da Caixa Geral de Depósitos. A administração fundamentou a decisão com “cinco anos consecutivos de prejuízos e diminuição de actividade comercial e com um nível de movimentos de tesouraria muito abaixo da média”.

Só resta um banco

A um sábado à tarde, pelas ruas estreitas e pouco movimentadas do centro histórico de Almeida andam alguns grupos de turistas (na maioria espanhóis) e poucos residentes. Mas Edmundo Ribeiro diz que nem sempre é assim tão calmo. Depende da hora do dia e da quantidade de turistas, que aumenta pelo Verão. Durante a crise o número diminuiu, agora já estão a voltar.

Para a população de Almeida, o abandono do banco do Estado é mais do que um mero encerramento de um balcão. Maria do Céu, que vive naquela localidade do distrito da Guarda há 18 anos, não vê ali grande futuro. “Em Almeida não há nenhuma loja que se segure. Atrás disto deve ser o efeito dominó, devem fechar mais serviços”, antevê, depois de classificar o fecho da Caixa como “muito mau”.  Maria do Céu conta que o sogro, dono das bombas de gasolina, “tem agora de ir todos os dias a Vilar Formoso para fazer os depósitos”.

Há alguns anos (ninguém com quem o PÚBLICO falou soube precisar quantos), o serviço de urgências deixou de atender pacientes 24 horas por dia. Tribunal, correios e outros serviços vão funcionando, mas há cada vez menos gente para os utilizar. Entre 2001 e 2015, o concelho de Almeida perdeu dois mil dos 8400 habitantes.

À desertificação soma-se o acentuado envelhecimento da população. Dados no portal Pordata mostram que o índice de envelhecimento do município era de 272,3 em 2001 e saltou para 551,7 em 2015. Ou seja, para cada 100 jovens com menos de 15 anos, há 551,7 idosos com 65 anos ou mais. Na totalidade do país este indicador está em 143,9.

“Perdemos a juventude. Não têm trabalho aqui, são obrigados a ir-se embora”, explica Pedro Tomé, para sublinhar que há poucas empresas e escasseiam as oportunidades de emprego. Maria do Céu tem uma filha a estudar no ensino secundário, mas diz que, quando acabar, tem que ir para fora. “É sair daqui. Isto não é futuro para ninguém”.

Um pouco mais para o interior da estrela irregular que dá forma ao centro de Almeida, na Rua dos Combatentes Mortos pela Pátria, fica a delegação da Caixa de Crédito Agrícola, o único banco que ainda não abandou a vila.

Já do lado de fora das muralhas, às portas da Praça-Forte, entre o restaurante Granito e uma oficina automóvel, está um edifício relativamente recente. Com as portas fechadas, montras pintadas de branco e cartazes a anunciar a venda, apenas uma pequena inscrição afixada no vidro indicia que ali já funcionou o BPI: “Este balcão foi integrado no seguinte espaço BPI: Figueira de Castelo Rodrigo, Avenida 25 de Abril”. Fica a mais de 20 quilómetros. 

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