Partido Republicano dá o tiro de partida para o fim do Obamacare

Depois de um falhanço em Março, a maioria conservadora conseguiu aprovar uma proposta para derrubar a medida mais emblemática da Administração Obama.

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A proposta apadrinhada por Donald Trump foi derrotada em Março Joshua Roberts/Reuters

A maioria do Partido Republicano na Câmara dos Representantes e o Presidente Donald Trump ultrapassaram esta quinta-feira um primeiro obstáculo para cumprirem uma das suas principais promessas eleitorais: derrubar a reforma do funcionamento do sistema de saúde norte-americano desenhada pelo ex-Presidente Barack Obama. "Não é uma bandeira axadrezada, mas é uma bandeira verde. Não é o fim do processo, mas é uma vitória importante e um grande dia para nós", resumiu o congressista republicano do Indiana Luke Messer, referindo-se ao "tiro de partida" para o fim do sistema conhecido como Obamacare.

Quase um mês e meio depois de esse tiro ter saído pela culatra - quando a liderança do Partido Republicano abortou à última hora uma primeira tentativa de votação por não ter convencido suficientes representantes a votarem a favor -, os conservadores e a Casa Branca decidiram voltar a arriscar esta quinta-feira, depois de intensas negociações para se alterar o conteúdo da proposta e vencer a oposição tanto dos moderados como dos mais radicais que inviabilizaram a anterior votação.

Uma nova suspensão da votação ou uma derrota seria vista como uma humilhação, mas a nova proposta passou à justa, com 217 votos a favor, todos da bancada do Partido Republicano, e 213 contra (de todos os do Partido Democrata e de 20 do Partido Republicano - para ter chumbado, a proposta teria de recolher 22 votos contra do Partido Republicano).

O que está em causa é uma proposta que tem como objectivo derrubar o sistema de seguros de saúde obrigatórios lançado por Barack Obama e substituí-lo por outro mais em linha com a tradição do Partido Republicano: menos intervenção do Estado federal e mais poderes de decisão transferidos para cada um dos 50 estados norte-americanos.

O modelo encontrado pelo Partido Republicano - sob a designação American Health Care Act - passa agora para o Senado, onde as hipóteses de aprovação tal como está são reduzidas - são esperadas alterações ao texto. "Uma lei aprovada sem emendas e após apenas três horas de debate deve ser encarada com toda a cautela", avisou o senador do Partido Republicano Lindsey Graham.

Mas a maioria do Partido Republicano, e especialmente o líder da Câmara dos Representantes, o republicano Paul Ryan, têm algum tempo para festejarem esta vitória: os legisladores vão fazer uma pausa de uma semana na sua actividade e, por razões procedimentais decorrentes do regulamento do Senado, os senadores não deverão iniciar o debate da proposta antes de Junho.

Uma dificuldade que se avizinha é a apreciação do impacto da proposta aprovada esta quinta-feira na Câmara dos Representantes que, ao contrário do que é habitual, não foi avaliada antes da votação. Essa avaliação, que é feita pelo gabinete orçamental do Congresso, uma comissão independente, determina os efeitos da aplicação da lei, nomeadamente quanto à despesa pública e ao défice orçamental. Em relação à primeira proposta (a que não foi a votos em Março), essa comissão antecipou que os prémios de seguro iriam aumentar entre 15 e 20% e que pelo menos 24 milhões de pessoas iriam perder o acesso a cuidados médicos de que beneficiam agora através do Obamacare. O corte no financiamento deveria subtrair 150 mil milhões ao défice, segundo a mesma estimativa.

Ao longo dos últimos sete anos, a liderança do Partido Republicano nas duas câmaras do Congresso (a Câmara dos Representantes e o Senado) tem tentado desenhar uma proposta sólida para deitar abaixo o Obamacare, que consideram ser prejudicial para muitos norte-americanos – segundo os críticos do actual sistema, os prémios anuais dos seguros têm subido muito, mas os defensores dizem que isso tem acontecido em poucos casos em relação ao universo em causa.

Em todos estes anos houve muitas divisões no Partido Republicano, principalmente entre três facções: os defensores da saída total do Estado do mercado dos seguros; os que são menos radicais, mas ainda assim consideram que o Obamacare pode ser melhorado sem mais gastos dos contribuintes; e os mais cautelosos, que são eleitos em estados onde o Partido Democrata está em maioria e não querem arriscar-se a perder reeleições devido ao fim do Obamacare.

É raro acontecer na política norte-americana que um dos partidos force uma votação no Congresso sem garantir antes que tem os votos suficientes para ver as suas propostas aprovadas, principalmente quando está em causa um assunto com a importância do acesso à saúde. Em Março, depois de várias rondas de negociações para tentarem satisfazer as reivindicações de todas as sensibilidades no Partido Republicano, o Presidente Donald Trump e o líder da Câmara dos Representantes, Paul Ryan, não conseguiram amealhar os votos necessários e o resultado foi embaraçoso – Trump queria resolver esta questão, que foi central na sua campanha, e Ryan quase não tem feito outra coisa na vida a não ser lutar pelo fim do Obamacare, mas ambos sofreram uma derrota.

A líder da minoria do Partido Democrata na Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, acusou os líderes do Partido Republicano de terem feito alterações cosméticas à versão que não foi votada em Março, e chamou a esta mudança "uma piada de muito mau gosto”.

Entre as principais alterações estão a entrega de autonomia aos diferentes estados para decidirem o que deve ser incluído no pacote mínimo de seguros através do Obamacare – os críticos dizem que muitos estados podem enfraquecer o pacote exigido por lei às seguradoras através do Obamacare, desprotegendo milhões de cidadãos.

Os defensores do novo plano dizem que esta alteração tem como objectivo tornar o sistema mais flexível para reduzir os custos mensais e anuais dos seguros.

Outra questão muito importante é a aceitação obrigatória de pessoas com doenças congénitas ou crónicas no momento em que procuram uma seguradora – esta obrigação para as seguradoras só foi imposta com o Obamacare, mas agora o Partido Republicano quer apagá-la do sistema. Para fazer frente aos problemas que muitas pessoas doentes podem enfrentar para terem um seguro a um valor aceitável, a proposta do Partido Republicano destina oito mil milhões de dólares para esse efeito (um valor que os críticos consideram irrisório, a somar ao fim da obrigatoriedade das seguradoras).

Para além do fim dessa obrigatoriedade, os cidadãos que procurem assistência financeira através do orçamento incluído no novo plano do Partido Republicano terão de preencher três requisitos que apertam a malha quase ao extremo – têm de viver num estado que reclame o direito a impedir as seguradoras de cobrarem mais pelos seguros de quem está doente; têm de estar doentes no momento da contratação do seguro; e têm de estar sem seguro por não terem cumprido a exigência de terem sempre um seguro de saúde (quem contrata seguros através do Obamacare é obrigado a ter sempre seguro, senão paga uma multa anual).

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