Canijo: demasiados desvios em Fátima

Canijo parece estar a dizer-nos que o desafio não é a fé, é o caminho para lá chegar, mas não conseguimos deixar de pensar que em Fátima se deixou levar por demasiados desvios.

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Mesmo assumindo que é sempre difícil fazer “o filme a seguir” a uma obra-prima como Sangue do Meu Sangue e que um resultado como o desse pequeno clássico é quase irrepetível, Fátima marcará, talvez, o ponto em que João Canijo esbarra nos limites da abordagem hiper-realista que tem resultado nos seus melhores filmes.

Ao contrário do que se possa dar a entender, este não é tanto um filme sobre a fé como é um filme sobre a peregrinação em si, sobre o modo como a “panela de pressão” de uma dúzia de mulheres juntas 24 horas sobre 24 durante vários dias questiona as suas próprias convicções e crenças; uma espécie de “filme de missão” exclusivamente feminino, onde a generosidade e a partilha se degladiam com a mesquinhez e a desconfiança, onde o ajuste de contas e o constante juízo moral sobre o outro desafiam o perdão e a redenção.

O que, encaixando na perfeição no olhar que Canijo vem trabalhando ao longo dos últimos 20 anos, não invalida a sensação de um filme desequilibrado, indeciso: embora seja um filme de ensemble, demasiadas personagens nunca ultrapassam a marginalidade e não têm praticamente presença (falamos da versão “curta” de 153 minutos), enquanto Rita Blanco e Anabela Moreira, apesar de excelentes como sempre, parecem apenas estar a reenvergar as vestes das suas personagens em anteriores filmes do realizador.

Canijo parece estar a dizer-nos que o desafio não é a fé, é o caminho para lá chegar, mas não conseguimos deixar de pensar que o realizador se deixou levar por demasiados desvios.

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