Parlamento prepara nova revisão da lei de financiamento dos partidos e campanhas

Depois de ouvir o presidente do Tribunal Constitucional , foi criado um grupo de trabalho que poderá voltar a mudar a lei pela segunda vez nesta sessão legislativa. Em cima da mesa está, por exemplo, a fiscalização das contas das campanhas autárquicas e dos grupos parlamentares.

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As contas dos grupos parlamentares são um dos assuntos mais sensíveis em análise RUI GAUDêNCIO

Os cinco partidos com assento parlamentar ouviram com atenção as preocupações que o presidente do Tribunal Constitucional lhes levou em Março e já estão a estudar propostas de alteração à lei do financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais – lei que, aliás, alteraram em Dezembro, para tornar definitivos os cortes das subvenções públicas para a actividade política.

Isso mesmo afirmou ao PÚBLICO José Silvano, coordenador do grupo de trabalho criado especificamente para o efeito no âmbito da comissão de assuntos constitucionais após a audição de Costa Andrade. “O presidente do TC trouxe-nos preocupações urgentes que os partidos ouviram com atenção e logo foi criado este grupo de trabalho para tentar resolver alguns desses problemas”, contextualizou o deputado do PSD.

Na quarta-feira, o grupo de trabalho reuniu-se pela primeira vez e decidiu que todos os partidos deveriam agora, com base nas propostas apresentadas e no entendimento que têm sobre os assuntos em causa, passar ao papel as suas próprias ideias, separadamente (por partido), antes de discutirem soluções concretas.

A próxima reunião foi marcada para o próximo dia 10, depois do plenário, e nela cada partido deverá apresentar o seu relatório para depois se procurar “um denominador comum” que permita servir de base de trabalho. “Só então veremos qual o consenso possível para avançar com eventuais propostas de alteração”, explica José Silvano.

A composição do grupo de trabalho revela a elevada importância que os partidos atribuem a esta reflexão. Além de José Silvano, o PSD indicou José Matos Rosa, secretário-geral do partido, um cargo que, no PS, coincide com as funções desempenhadas por Ana Catarina Mendes, secretária-geral adjunta, que nesta comissão será coadjuvada pelo veterano Jorge Lacão, um conhecedor profundo dos problemas do partido e membro da comissão política nacional.

Os outros partidos, que têm muito menos deputados, nem por isso facilitaram: o Bloco de Esquerda escolheu nada menos que o seu líder parlamentar, Pedro Filipe Soares; o PCP o vice-presidente da Assembleia da República e veterano nestas matérias António Filipe, e Os Verdes o deputado mais vocacionado para assuntos financeiros, José Luís Ferreira. Os 15 dias concedidos para apresentar propostas revelam, por outro lado, a vontade de avançar com soluções a tempo das eleições autárquicas, bem como são indicador de que os partidos têm ideias concretas, até porque discutiram matérias desta lei há poucos meses.

Costa Andrade preocupado com as autárquicas

Quando foi ouvido na comissão de assuntos constitucionais, no início de Março, o presidente do Tribunal Constitucional  mostrou-se preocupado com a fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais, tendo em conta sobretudo a proximidade das eleições autárquicas que se realizam a 1 de Outubro. Não foi, aliás, a primeira vez que o fez: antes, já se tinha reunido com o presidente da Assembleia da República, tinha enviado uma carta com uma súmula de propostas e entregou novo documento no dia em que foi ouvido.

Na reunião com Ferro Rodrigues, apontou a falta de meios como uma das grandes asfixias. "As tarefas de fiscalização das contas, de eventuais ilícitos que possam ter ocorrido, isso é uma tarefa muito exigente porque é preciso fiscalizar as contas dos partidos em todo, com uma análise de minúcia e de pormenor muito grande, isso é um trabalho imenso, é um processo que se estrutura em muitos milhares de folhas e muitos milhares de páginas", afirmou então.

As eleições autárquicas complicam ainda mais esta tarefa de fiscalização. Isto porque cabe ao TC fiscalizar as contas de cada partido que concorre a cada órgão: são 308 câmaras municipais e outras tantas assembleias municipais, e mais de 3000 juntas de freguesia, a que correspondem outras tantas assembleias de freguesia. No total, rondarão as 30 mil contas a fiscalizar, uma tarefa hercúlea para a Entidade das Contas e Financiamento dos Partidos (ECFP), composta por uma presidente, Margarida Salema, e dois vogais.

Daí que uma das suas propostas passe precisamente por reduzir o universo das contas a fiscalizar. Costa Andrade defende que, em relação às autárquicas, sejam apenas objecto de análise as contas dos partidos, coligações e movimentos cívicos que, previsivelmente, venham a auferir subvenção pública. Nas autárquicas, a lei atribui subvenção aos “partidos, coligações e grupos de cidadãos que concorram simultaneamente aos dois órgãos municipais [executivo e assembleia municipal] e obtenham representação de pelo menos um elemento directamente eleito ou, no mínimo, 2% dos votos em cada sufrágio”.

Mas há muito mais, em quantidade e sensibilidade. Um dos aspectos mais sensíveis é mesmo a fiscalização das contas dos grupos parlamentares. É provavelmente o assunto mais sensível em cima da mesa. As contas das bancadas parlamentares são consideradas a porta do cavalo do financiamento ilegal dos partidos: quando apresentam as suas contas anuais, incluem as subvenções aos grupos parlamentares nas suas receitas, misturando gastos do partido com despesas das bancadas e assim impedindo uma fiscalização correcta das contas de uns e de outros.

O assunto valeu milhares de multas aos partidos ao longo dos anos, mereceu várias alterações à lei e um veto do Tribunal Constitucional quando os partidos lhe atribuíram directamente esta competências (antes era do Tribunal de Contas), e ainda promete dar alguma confusão nos próximos tempos. Em Fevereiro de 2015, o parlamento aprovou por unanimidade uma alteração legislativa que atribui directamente à ECFP a competência da sua fiscalização, com efeitos retroactivos a 2014. No Tribunal Constitucional, a atribuição desta competência à ECFP não é pacífica, mas é lei vigente. O que causa muitas dificuldades e entropias.

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