Corbyn e “Brexit” são activos tóxicos para um Labour ameaçado por derrota histórica

Tony Blair admite que Theresa May será a próxima primeira-ministra, no dia em que Boris Johnson atacou o líder trabalhista. Partido pode sofrer um revés maior do que lhe foi infligido em 1983 por Thatcher

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O Labour “tem um líder que não foi capaz de convencer muitos eleitores de que será um bom primeiro-ministro", diz John Curtice Neil Hall/Reuters

As sondagens prenunciam um resultado catastrófico para os trabalhistas. Theresa May, há menos de um ano no poder, escolheu o momento mais favorável para convocar eleições, às quais se apresenta na máxima popularidade. As negociações do “Brexit” abeiram-se e o Labour mantêm uma posição ambígua sobre a UE. Jeremy Corbyn, o seu impopular líder, atinge níveis historicamente baixos de aprovação. O cenário dificilmente poderia ser pior para a oposição britânica, ao ponto de muitos no partido admitirem que o seu único objectivo é evitar que os conservadores venham a governar sem uma oposição eficaz.

Tony Blair, o ex-primeiro-ministro que em 1997 deu aos trabalhistas a sua maior vitória, foi o último a enunciar esta última linha de defesa. “Se as sondagens estão certas, sabemos quem vai ser o próximo primeiro-ministro a 9 de Junho. Será Theresa May”, disse, numa entrevista nesta quinta-feira à Sky News. “O argumento mais poderoso que o Labour tem é o de que a nossa democracia precisa que o Governo seja obrigado a prestar contas e que haja uma oposição forte.”

As palavras do antigo líder, inimigo jurado da ala esquerda do partido agora no poder, tentam responder ao dilema em que se encontram muitos dos deputados que vêem os seus lugares ameaçados pelos conservadores, mas se sentem incapazes de dar o seu apoio inequívoco ao líder que no Verão passado quiseram destronar, argumentando que ele seria incapaz de vencer eleições.

“Quando votarem a 8 de Junho estão a eleger a pessoa que querem que seja o deputado do vosso círculo nos próximos cinco anos. Não estão a eleger um líder partidário ou de Governo”, escreveu o ainda deputado Ben Bradshaw, citado pelo Guardian. John Woodcock, candidato num círculo do Noroeste, foi ainda mais longe num vídeo de campanha em que admite que não pediria o voto dos eleitores se acreditasse que Corbyn poderia chegar a Downing Street.

Mas May, que avançou para eleições dizendo que o Reino Unido precisa de uma “liderança forte e estável” para concretizar a saída da União Europeia, pretende explorar ao máximo as fraquezas dos trabalhistas — precisamente a frágil liderança de Corbyn e o “Brexit”.

Conservadores ao ataque

Depois de ter acusado a oposição de querer sabotar os seus planos para as negociações com a UE, vários dos seus ministros atacaram o líder trabalhista. O último foi Boris Johnson, chefe da diplomacia britânica, que, num artigo para o The Sun, diz que Corbyn não é “o velho tolo mugwump, provavelmente inofensivo” que muitos pensam — termo com várias conotações, mas que os dicionários definem como algo entre um não-alinhado e um “vira casacas”. Corbyn, um socialista com longas credenciais pacifistas, “não entende a necessidade de termos um país forte”, continuou o ministro, citando a sua oposição à NATO, às armas nucleares ou as operações militares contra os extremistas islâmicos.

Andrew Rawnsley, comentador do Observer, diz que mais do que minar a popularidade de Corbyn, a estratégia dos tories passa por “alimentar a ficção de que há uma possibilidade séria” de o trabalhista chegar a Downing Street. O objectivo é mobilizar os eleitores que, face às sondagens, podem não ir votar por acreditarem que a vitória de May está garantida.

E, a seis semanas das eleições, é difícil equacionar outro cenário, por muito que o sistema uninominal britânico torne mais imprevisíveis os resultados, que Corbyn seja considerado mais forte do que May nas acções de campanha, ou que as sondagens tenham falhado nas legislativas de 2015 e no referendo à UE.

Um inquérito divulgado nesta quinta-feira pelo Times dá aos tories uma vantagem de 16 pontos face ao Labour, mas a maioria dos divulgados na última semana coloca a diferença entre os dois partidos nos 20 pontos. Números que podiam arrastar o Labour para o pior resultado em décadas — a dúvida é se irá igualar a hecatombe que Margaret Thatcher impôs ao partido em 1983 (quando os trabalhistas conquistaram apenas 209 lugares, menos 20 do que os actuais) ou se será necessário recuar até 1935 e aos 154 deputados eleitos nesse ano.

Desencanto operário

“Nunca no dia em que as eleições foram convocadas, a oposição esteve numa posição tão fraca”, disse ao Politico o professor John Curtice, especialista em sondagens e comportamento eleitoral. O Labour, explica, “tem um líder que não foi capaz de convencer muitos eleitores de que será um bom primeiro-ministro, que luta para manter a sua autoridade no partido que por sua vez está dividido em relação ao assunto que levou a primeira-ministra a convocar estas eleições — o Brexit.”

Corbyn e os seus apoiantes culpam os antecessores e as políticas neoliberais do New Labour pelo declínio, sublinhando que não foi sob a sua liderança que os trabalhistas desapareceram do mapa eleitoral da Escócia, um dos seus antigos bastiões. A Economist sublinha também que, com o “Brexit” a dominar a campanha, “será impossível delinear uma política que satisfaça tanto os eleitores urbanos apoiantes da permanência como as classes das operárias do Norte de Inglaterra e das Midlands que votaram pela saída”.

É nestes últimos que as atenções dos conservadores se centram para conseguir a maioria que May ambiciona — o jornal Telegraph diz que há 58 círculos na mira do partido, zonas onde o Labour teve uma vantagem de até dez mil votos nas legislativas de 2015, mas que votaram depois a favor do “Brexit”. Uma sondagem do instituto YouGov revela também que os tories lideram as intenções de voto em todas as classes económicas, incluindo nas mais baixas que são o suporte histórico dos trabalhistas. “As pessoas perceberam que o Labour não representa os trabalhadores do Nordeste. Ele é liderado por quem que não conhece a nossa realidade”, disse ao Financial Times Garry Lewis, um eleitor de Newcastle que toda a vida votou nos trabalhistas, mas que já decidiu que não o fará desta vez.

“Muitos no partido estão já a pensar no dia a seguir às eleições”, escreveu o Politico. “A questão que se coloca a Corbyn e aos seus potenciais concorrentes é mais simples: quanto Labour restará para liderar?”.      

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