Festival Política: se tivesse cinco minutos cara a cara com um deputado, o que diria?

Europa, perseguições a gays na Tchechénia, direitos dos emigrantes. Os cidadãos quiseram conversar com os deputados sobre tudo e sem formalismos. Tu cá, tu lá.

Foto
No Cinema São Jorge, as pessoas rodaram pelas mesas, ao som da campainha. Cada conversa dura cinco minutos Margarida Basto

Ouve-se a campainha, o tempo acaba. Mas, mesmo depois de o tempo ter acabado, deputados e eleitores continuam à conversa. Pelo menos esse objectivo do Festival Política, que decorreu entre quinta-feira e sábado, em Lisboa, foi cumprido: aproximar os cidadãos da política, neste caso de quem os representa na Assembleia da República.

Esta é apenas uma das iniciativas que fizeram parte do programa: um encontro entre cidadãos e deputados dos diferentes grupos parlamentares. No Cinema São Jorge, as pessoas vão rodando pelas mesas, ao som da campainha. Cada conversa dura cinco minutos. Estão lá Sérgio Azevedo (PSD); Rita Rato (PCP); Heloísa Apolónia (PEV); Mariana Mortágua (Bloco de Esquerda); André Silva (PAN); e Ana Rita Bessa (CDS) – só Isabel Moreira (PS) não pôde estar presente.

O ritmo das conversas é rápido, mas os cidadãos não gaguejam. Perguntam tudo. Dizem tudo. Saliu Djau, estudante de Relações Internacionais de 22 anos, arranca uma gargalhada a Heloísa Apolónia quando lhe pergunta, de forma educada, mas também provocadora: “Não se importa que a União Europeia acabe?” Ou: “Diga-me um ponto positivo sobre a entrada de Portugal na União Europeia”. A conversa tinha sido à volta do projecto europeu, com a deputada a expor o que considera serem as fragilidades da União Europeia.

O arquitecto Rui Abreu, de 37 anos, também não tem meias medidas. Diz a Rita Rato, sem pestanejar, que sempre votou CDU, mas que naquele dia essa fidelidade tinha acabado. Tudo porque se sentiu desiludido com a abstenção do PCP no voto de condenação do Parlamento à perseguição da população lésbica, gay, bissexual e transgénero na Tchechénia. A deputada tenta justificar-se, garantindo que os comunistas condenam os ataques aos direitos humanos, mas argumentando que não está confirmada a existência de um campo de concentração.

Há fila para chegar à fala com Mariana Mortágua. Querem falar com a bloquista sobre a Europa, sobre economia social solidária... A Sérgio Azevedo chegam queixas sobre os direitos dos portugueses que vivem no estrangeiro, sobre as dificuldades em participarem na vida política de Portugal. Até houve tempo para pequenas conversas filosóficas, como a que Rui Abreu teve com André Silva, sobre os direitos dos animais.

Numa outra sala do Cinema São Jorge, discute-se a abstenção. A sala pode não estar completamente cheia, mas isso não diminui o interesse das pessoas. Também neste debate, quem assiste também não tem inibições: mesmo sem microfone e de forma espontânea, entram em diálogo com quem está no palco: João Pina (fotógrafo); Marina Costa Lobo (investigadora do Instituto de Ciências Sociais); Hélio Morais (músico co-fundador dos Linda Martini e dos PAUS) e Maria Flor Pedroso (editora de política da Antena 1). Querem dizer o que pensam sobre o voto obrigatório, sobre o método de Hondt…

Esta poderá ser, aliás, a fragilidade mais visível do festival: o evento quer aproximar as pessoas da política, quer combater a abstenção (foi o tema desta edição), mas quem por ali passou tem interesse por política. A certa altura, o moderador, Fernando Alvim, pergunta à plateia quem é que foi votar nas últimas eleições e praticamente toda a gente põe o braço no ar.

Durante o debate, há lugar para trocas de impressões sérias, sobre a personalização da política e sobre como pode ser “um caminho muito perigoso” que pode desembocar, ainda que com as devidas diferenças, em protagonistas como Trump, Berlusconi ou Marcelo Rebelo de Sousa. Houve tempo para se falar da “geringonça”, também com Marina Costa Lobo a defender que o caminho que está a ser percorrido pode ser prejudicial para a participação eleitoral (a novidade de BE e PCP apoiarem um Governo europeísta pode levar as pessoas a olharem menos para estes partidos como alternativas). E com Maria Flor Pedroso a dizer que considera a abstenção um “capricho da democracia”.

Apesar da seriedade com que todos os presentes olham para a política, também houve tempo para graças. Momentos em que se comparou a política ao coração: uma paixão que se transforma em amor e, depois, em rotina. “E acaba em divórcio?”, lança Alvim. Neste festival, não.

 

 

Sugerir correcção
Ler 4 comentários