Na Venezuela hoje é dia da "mãe de todas as manifestações"

Oposição convoca grande manifestação em Caracas contra as decisões do Tribunal Supremo de Justiça, que tem limitado a acção do Parlamento. Partido de Nicolás Maduro convoca contra-manifestação e o Presidente acena com a "lealdade" do Exército.

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Um venezuelano da oposição deita gasolina numa figura de Nicolás Maduro Marco Bello/Reuters
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Membros das milícias armadas da Venezuela, criadas por Hugo Chávez MIGUEL GUTIERREZ/EPA
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Maduro mostra um quadro com a sua figura ao lado das de Chávez e Simón Bolívar MIGUEL GUTIERREZ/EPA
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Henrique Capriles, um dos rostos da oposição Carlos Garcia Rawlins/Reuters (Arquivo)
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Apoiantes de Leopoldo López, opositor condenado a 14 anos de prisão Carlos Garcia Rawlins/Reuters

Qual é o motivo dos protestos da oposição venezuelana?

Milhares de pessoas têm-se manifestado nas ruas de várias cidades da Venezuela desde o início de Abril contra decisões do Tribunal Supremo de Justiça que deixaram a Assembleia Nacional (o Parlamento, com maioria da oposição) sem competências legislativas.

Que decisões foram essas?

O caso remonta a Dezembro de 2015, quando candidatos do Partido Unido Socialista da Venezuela (PSUV), de Maduro, pediram ao Supremo a impugnação de oito resultados favoráveis a candidatos da oposição nas eleições legislativas, sob a acusação de coacção e fraude eleitoral. O Supremo suspendeu de forma preventiva a posse dos candidatos, entre os quais três do estado venezuelano do Amazonas – mas, apesar dessa decisão, a maioria da oposição decidiu avançar com a nomeação desses deputados em Janeiro de 2016. Nessa altura, o Supremo anunciou que os actos aprovados pela Assembleia seriam nulos, e sete meses depois, em Agosto do ano passado, a câmara foi colocada em situação de "desrespeito", quando decidiu integrar os três candidatos do estado do Amazonas. O último corte entre o Supremo e a Assembleia Nacional aconteceu há duas semanas, a 30 de Março, quando o tribunal despiu a câmara das suas competências e chamou para si as tarefas legislativas, por considerar que se mantinha a situação de "desrespeito". Dois dias depois, no dia 1 de Abril, o Supremo anulou a sua decisão e devolveu os poderes legislativos à Assembleia Nacional, sob pressão internacional e também por parte de alguns sectores do chavismo, mas a oposição manteve as críticas: "Não podemos, de maneira alguma, aceitar convites nos quais quem deu o golpe de Estado aparece a querer a resolver a crise que criou", disse o presidente da Assembleia, Julio Borges.

Que peso têm os três deputados em causa?

Para além de ter perdido pela primeira vez a maioria na Assembleia Nacional desde a entrada em cena de Hugo Chávez, o PSUV viu-se submetido, desde Janeiro do ano passado, a uma maioria de dois terços por parte dos partidos da oposição. Segundo a Constituição, uma maioria de dois terços dá à Assembleia Nacional o poder para alterar a Constituição, apontar e destituir altos cargos e aprovar leis orgânicas. Por outras palavras: o poder de desmantelar o controlo do regime bolivariano sobre a máquina de Estado. Mas para exercer essa maioria de dois terços a oposição precisava dos votos dos três candidatos do Amazonas.

O que está em causa na guerra entre Supremo e Assembleia?

Já depois das eleições legislativas de Dezembro de 2015, mas ainda antes de a nova Assembleia Nacional ter entrado em funções, os deputados do PSUV nomearam 13 juízes efectivos e 21 suplentes para o Supremo, todos eles leais ao Governo de Nicolás Maduro. Esta decisão foi entendida pela oposição como uma tentativa de neutralizar a maioria de dois terços na Assembleia Nacional, já que a câmara não pode anular decisões do Supremo. Foi esse novo Supremo que suspendeu a tomada de posse de candidatos da oposição, entre os quais os três do estado do Amazonas que davam a maioria de dois terços. Com as decisões que foram sendo tomadas pelo Supremo – como a que permite ao Governo de Nicolás Maduro constituir empresas mistas sem autorização da Assembleia –, a oposição viu-se, na prática, incapaz de legislar, porque o tribunal anulava todas as suas decisões. O grande objectivo da oposição é provocar a queda de Nicolás Maduro antes das eleições presidenciais de Dezembro de 2018 e convocar eleições antecipadas.

Quem são os principais rostos da oposição?

O mais influente é Henrique Capriles, que foi proibido de exercer actividades políticas durante os próximos 15 anos; o mais carismático é Leopoldo López, que está preso. Capriles é advogado de formação, tem 44 anos e é actualmente governador do estado de Miranda – foi "desqualificado" pela inspecção-geral de Finanças no dia 8 de Abril, sob a acusação de uso indevido de fundos públicos, mas continua a exercer o cargo em desafio dessa ordem. Concorreu contra Hugo Chávez nas presidenciais de 2012 e perdeu por uma diferença de 11 pontos; voltou a concorrer em 2013 contra Nicolás Maduro, após a morte de Chávez, e ficou a apenas 1,5 pontos de diferença do actual Presidente. Era um candidato certo às eleições do próximo ano, mas a proibição do exercício de cargos políticos durante 15 anos é também vista pela oposição como uma manobra para o impedir de concorrer. A outra face da oposição é Leopoldo López, um economista de 45 anos que passou a juventude nos Estados Unidos da América – fez o ensino secundário em Nova Jérsia e a universidade no Ohio. Em 1992, com apenas 20 anos, fundou a associação Primero Justicia juntamente com Henrique Capriles – um grupo activista que viria a tornar-se num partido de centro-direita no ano 2000. No início do ano, o Supremo confirmou a condenação de Leopoldo López a 14 anos de prisão, acusado de ter incitado os violentos protestos de 2014, que fizeram 43 mortos. López e Capriles tiveram um início de carreira política semelhante – ambos foram eleitos presidentes de câmara em 2000, o primeiro de Chacao e o segundo de Baruta. Dois anos mais tarde, em 2002, ambos participaram no golpe de Estado falhado contra o então Presidente Hugo Chávez. São ambos da área do centro-direita, mas López é mais radical e assume uma posição de maior confronto com o poder instituído.

Quais são os principais riscos da manifestação de quarta-feira?

O grande receio é que a Venezuela volte a ser palco de protestos violentos, à imagem do que aconteceu em 2014, quando morreram 43 pessoas de ambos os lados. Desta vez, Maduro voltou a responder à convocação de uma manifestação contra o Governo com a marcação de uma manifestação em seu apoio. Mas o Presidente venezuelano deu também outros dois passos que aumentam o risco de o protesto marcado para Caracas se tornar violento: por um lado, pôs o Exército a marchar nas ruas da capital, na segunda-feira, esperando enviar o sinal de que os militares estão com ele até ao fim; por outro lado, anunciou a intenção de expandir as milícias armadas criadas por Hugo Chávez de algumas centenas de milhares de civis para um milhão. Este anúncio de Maduro já foi criticado pelo Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, através do porta-voz Rupert Colville: "O que é preciso neste contexto de conflito é que se apazigue a tensão, e não que ela seja agravada, e quantas mais armas houver nas ruas mais possibilidades há de poderem ser usadas." Segunda-feira, durante as comemorações do 7.º aniversário da criação da Milícia Nacional Bolivariana, Maduro deixou o aviso: "Este não é o tempo para os traidores, para a traição, para os vacilantes. Que cada um decida se estamos todos com a pátria ou se estamos com a traição à pátria; se estamos com o histórico povo de Bolívar, ou se estamos com os que se curvam perante os factores imperialistas do poder." E coube ao ministro da Defesa, Vladimir Padrino López, passar a mensagem de que os militares estão preparados para intervir: "A Força Armada Nacional Bolivariana mantém a sua unidade monolítica, granítica, e ratifica a sua lealdade incondicional ao senhor Presidente."

Face a esta pressão, Maduro tem condições para ficar no poder até 2018?

As próximas eleições presidenciais na Venezuela estão marcadas para Dezembro de 2018, mas até lá tudo pode acontecer no país. Os principais partidos da Mesa da Unidade Democrática já indicaram os nomes dos candidatos às primárias desta grande coligação anti-Maduro: apesar de um estar impedido de exercer actividade política e de outro estar preso, Henrique Caprilles e Leopoldo López vão disputar esse lugar com Henry Ramos Allup, do centrista Acção Democrática. Dessas primárias sairá o nome do candidato que deverá concorrer contra Nicolás Maduro em 2018. Mas a situação na Venezuela tem-se degradado tanto nos últimos anos – principalmente desde a morte de Hugo Chávez, em 2013 –, que ninguém sabe o que poderá acontecer nos próximos dias, quanto mais nos próximos 20 meses. A crise mais recente no país agravou-se com a morte de Chávez, mas para isso também contribuiu a queda do preço do petróleo e a deterioração da tecnologia para a sua extracção – um pesadelo para a economia venezuelana, pouco diversificada e dependente do petróleo. A falta de dinheiro e a crise política juntaram-se e criaram um pesadelo na sociedade venezuelana, com a falta ou a escassez de alimentos e medicamentos a desestabilizarem ainda mais o país e aumentarem a possibilidade de confrontos violentos. A pressão internacional sobre Nicolás Maduro tem subido de tom, mas chegados a este ponto é difícil que algum dos lados ceda – Maduro insistirá na legitimidade para governar e continuará a acusar os seus opositores de quererem protagonizar um golpe ao serviço de interesses económicos internacionais, e a oposição de vários quadrantes políticos continuará a exigir a saída do Presidente e a manifestar-se nas ruas por uma mudança de regime.

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