China pressiona Kim para conter tentação militar dos EUA

A tensão entre os EUA e a Coreia do Norte atingiu níveis preocupantes, mas intervenção militar directa teria um custo que ninguém quer arriscar.

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Desenvolvimento nuclear é considerado por Kim Jong-un fundamental para a sobrevivência do regime Reuters/KCNA

Foi em plena zona desmilitarizada – símbolo máximo da divisão das duas Coreias – que o vice-Presidente norte-americano, Mike Pence, declarou esta segunda-feira o fim da “paciência estratégica” de Washington em relação à Coreia do Norte. A viagem do número dois da Casa Branca à Coreia do Sul coincide com um dos momentos mais tensos na história recente da península, após semanas de duras trocas de palavras e de mais um ensaio balístico realizado por Pyongyang no fim-de-semana.

Horas antes, em Seul, Pence – que recordou a participação do pai na Guerra da Coreia – tinha já deixado avisos ao regime norte-coreano, voltando, mais uma vez, a acenar com a ameaça de uma intervenção militar caso Pyongyang mantenha as suas ambições nucleares. A mensagem foi clara: o regime liderado por Kim Jong-un não deve testar o Presidente norte-americano, Donald Trump. “A Coreia do Norte faria bem em não testar a sua determinação [de Trump] ou o poder das Forças Armadas dos Estados Unidos”, afirmou Pence, depois de enumerar as mais recentes iniciativas militares da nova Administração – o bombardeamento de uma base aérea na Síria e o lançamento da bomba não-nuclear mais poderosa do arsenal norte-americano no Afeganistão.

Os EUA têm dado sinais de quererem adoptar uma nova estratégia para lidar com a ameaça norte-coreana e Trump não tem escondido que a via militar pode fazer parte dessa solução. Na verdade, esta é uma hipótese sempre considerada por qualquer Administração, mas os custos de um ataque preventivo contra as instalações nucleares e militares norte-coreanas são muito elevados – desencorajaram sucessivos Presidentes. No imediato, a resposta norte-coreana poderia incluir o bombardeamento de Seul, onde vivem 20 milhões de pessoas, e tem o potencial de arrastar as duas principais potências mundiais para um conflito directo – tal como aconteceu durante a Guerra da Coreia, entre 1950-53.

O negócio de Xi e Trump

A China, como o mais importante aliado da Coreia do Norte, assume um papel relevante para uma potencial solução. Trump parece disposto a trabalhar com Pequim, mas também já ameaçou avançar “sozinho” caso não encontre cooperação. Algo parece, no entanto, ter mudado depois de Trump ter recebido o Presidente chinês, Xi Jinping, no seu resort de Mar-a-Lago, no início de Abril. Numa entrevista ao Wall Street Journal, foi o próprio Presidente norte-americano a reconhecer que “depois de ter ouvido durante dez minutos” o seu homólogo chinês a falar sobre as relações entre a China e a Coreia do Norte percebeu que a situação “não é assim tão fácil”.

“Se Trump conseguir, pelo menos, encontrar alguns pontos de entendimento com os chineses sobre como refrear e limitar as acções mais belicosas e manipuladoras da Coreia do Norte, já ter tido algum sucesso”, observa o analista do think-tank britânico Chatham House, Kerry Brown. Um desses pontos poderá passar pela intensificação do regime de sanções em vigor. A China já deu passos nesse sentido, por exemplo, ao suspender em Fevereiro a importação de carvão norte-coreano até ao fim do ano, representando um corte de 40% das exportações para a China.

Mais medidas do género podem seguir-se, caso a Coreia do Norte continue a testar armamento nuclear. Na semana passada, o tablóide Global Times, ligado ao Partido Comunista Chinês, publicou um editorial em que garantia que a “sociedade chinesa” está preparada para apoiar “medidas restritivas [contra a Coreia do Norte] nunca vistas, como a restrição das exportações de petróleo”. Uma medida deste género teria efeitos profundos na economia norte-coreana e a posição do Global Times deve ser vista sobretudo como um sério aviso, mas também uma mensagem para Trump de que Pequim está disponível para colaborar.

O Presidente norte-americano parece ter percebido isso e tem suavizado a dureza contra a China que caracterizou a sua campanha eleitoral. “Porque haveria de qualificar a China como um manipulador cambial se eles estão a trabalhar connosco no problema norte-coreano?”, escreveu Trump no domingo no Twitter.

Há, porém, limites para a cooperação entre os dois países, que podem ser um sério obstáculo ao objectivo principal – impedir a Coreia do Norte de se tornar numa potência nuclear. O regime encara a sua sobrevivência como dependente do desenvolvimento das suas capacidades nucleares e está empenhado em não abandonar esse caminho, como garantiu o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros, Sin Hong-chol, em entrevista à Al-Jazira. “A arma nuclear em nossa posse não é uma ilusão, não é um bem que possa ser trocado por dólares americanos, não está à venda.”

Washington e Pequim também alimentam entre si uma “desconfiança mútua” que torna difícil essa cooperação, nota o professor da Universidade Yonsei, em Seul, John Delury, num texto publicado pelo site 38 North, que monitoriza as actividades militares e diplomáticas da Coreia do Norte. “Quando Pequim encoraja Washington a diminuir a tensão e regressar às negociações com Pyongyang, isso é visto como uma cortina de fumo para distrair dos esforços [de aplicação] das sanções. Quando Washington pressiona Pequim para aplicar sanções e empurrar Pyongyang para a via da desnuclearização, isso é encarado como um truque para evitar conversações e pôr a China a fazer o trabalho sujo da ‘mudança de regime’”, escreve Delury. 

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