Eurogrupo: Costa apoia Guindos mas com olho em Centeno

Em entrevista ao El País, António Costa afirma que vê em Guindos alguém capaz para substituir Dijsselbloem como líder do Eurogrupo. Mas nos bastidores das negociações o lugar pode ser para Centeno. Até porque Espanha aposta no BCE.

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O primeiro-ministro português afirma que a solução governativa portuguesa não é uma fórmula de sucesso que possa ser aplicada a todos os países Reuters/JUAN MEDINA

O primeiro-ministro, António Costa, afirmou em entrevista ao jornal espanhol El País esta terça-feira, que Portugal apoiaria uma eventual candidatura à liderança do Eurogrupo de Luis de Guindos, actual ministro espanhol da Economia, Indústria e Competitividade, se esta vier a verificar-se. “É alguém que, se o tivesse de ser, exerceria muito bem o cargo”, afirmou António Costa sobre Luis de Guindos.

“Tem uma visão global da Europa, a capacidade de criar uma ponte em diferentes economias, entre diferentes famílias politicas, vem de um grande país, mas conhece bem os pequenos, vem da terceira economia em maior crescimento, mas sabe os sacrifícios passados. Se estiver disponível, De Guindos será o nosso candidato”, defendeu.

As declarações de António Costa ao El País podem ser vistas como uma declaração de vontade, mas que funciona como uma cortina de fumo negocial. Isto porque, como o PÚBLICO noticiou na segunda-feira, o Governo espanhol está a apostar que Guindos seja nomeado para vice-presidente do Banco Central Europeu (BCE) no próximo ano, quando terminar o mandato de Vítor Constâncio.

Assim sendo António Costa sabe que o apoio que agora expressa formalmente na entrevista ao El País não estará em discussão. Mais ainda, o primeiro-ministro já confirmou que o ministro das Finanças, Mário Centeno, foi sondado para ocupar aquele cargo de chefia do Conselho de Ministros das Finanças da zona euro.

Ainda que tenha assumido publicamente que Portugal não está interessado no lugar, o que é facto é que, de acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO, o Governo ainda não fechou a porta liminarmente ao convite e aguarda o desenvolvimento temporal de factores que vão da formação do Governo holandês às eleições alemãs.

O tempo da substituição do actual presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, pode acontecer no Outono. Isto porque o complexo e lento processo de formação de Governo na Holanda poderá demorar quatro ou cinco meses. Certo é que, depois da pesada derrota eleitoral do seu partido, Dijsselbloem está de saída e terá de ser substituído.

Este timing permite a Centeno conduzir o processo de saída do Procedimento por Défices Excessivos e assumir a posição portuguesa também no arranque dos debates sobre reforma da zona euro que deverá acelerar após as eleições alemães de 24 de Setembro.

Com a presidência do Eurogrupo a calhar agora a um país do Sul e com Guindos a apostar no BCE, resta a Portugal aceitar candidatar-se. Isto porque a alternativa seria o ministro das Finanças italiano, Pier Carlo Padoan. Mas Itália ocupa já três lugares de peso na União Europeia: Antonio Tajani é presidente do Parlamento Europeu, Mario Draghi preside ao Banco Central Europeu e Federica Mogherini é a Alta Representante da União Europeia (UE) para Política Externa e Segurança.

Dijsselbloem é divisão

Na entrevista ao El País, o primeiro-ministro voltou a tecer críticas a Dijsselbloem por este ter acusado os europeus do Sul de gastarem o seu dinheiro “em álcool e mulheres” e “depois pedirem que os ajudem”. “O maior desafio da União Europeia é eliminar as fracturas culturais que se abriram com os anos de crise entre Este e o Oeste, Norte e Sul”, afirmou António Costa. “Só juntos podemos enfrentar o futuro”, defendeu ainda. Daí que advogue que “o presidente do Eurogrupo tem de ser alguém com capacidade de construir pontes e não um factor de divisão”.

Características que o primeiro-ministro não reconhece em Dijsselbloem. “Não pelo mau gosto da sua visão pessoal, sexista e racista”, explica, mas por “fragilizar uma função central da Europa": "E, por isso, temos de ter um presidente que nos una a todos e não um que seja um factor de divisão”.

As novas críticas de António Costa surgem um dia depois de Dijsselbloem ter dado uma entrevista ao jornal holandês De Volkskrant, em que o presidente do Eurogrupo se mostrou surpreendido por, na última reunião, Portugal não ter pedido a sua demissão. "Esperava que o colega português pedisse a minha demissão, mas não o fez", disse o holandês.

Modelo da diplomacia portuguesa

Na mesma entrevista ao El País, Costa falou ainda do modelo de diplomacia portuguesa, da relação de Portugal com o Brasil após a destituição de Dilma Rousseff e do "Brexit".

Sobre o Reino Unido, Costa sublinha a necessidade de ver a saída da União Europeia como uma oportunidade para os países vizinhos. “Temos de ter uma base de igualdade entre os Estados-membros e reconstruir as relações”, argumenta o primeiro-ministro. “A vida em comum depende da capacidade de nos conhecermos melhor”, continua. “Os encontros entre os países do Sul e com três dos países com maior peso europeu, como França, Itália e Espanha, são importantes”.

Já quando questionado acerca da “receita” portuguesa para a solução governativa à esquerda, Costa deixa o aviso: não deverá servir de modelo para todos os países. “Cada país é distinto”, sublinha. “Trabalhamos juntos, mas cada qual mantém a sua posição”. "O êxito depende de cada um manter a sua identidade”. “Para o PCP não é um obstáculo que cumpramos as exigências de Bruxelas, aumentemos o salário mínimo e acabemos com os cortes na função pública”, assevera. “É um modelo que funciona. É difícil, mas é assim a vida politica”, conclui. com Liliana Borges

Notícia actualizada às 11h07, com mais informação de contexto

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