“Portugal cresceu muito mas não tem ciência a mais”

Manuel Heitor, ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, defende que é preciso articular melhor o conhecimento com a economia e evitar a precariedade nas instituições universitárias para continuar a crescer. Sobre o futuro, acredita que a actual retoma vai trazer (bons) resultados em 2018.

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Manuel Heitor é ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior desde Novembro de 2015 evr Enric Vives-Rubio

Como vê as estatísticas de produção científica que mostram que, em quantidade, somos dos países que mais têm crescido?

Em quantidade e não só. Portugal hoje pode-se orgulhar da capacidade científica crescente. Mas agora temos de saber continuar a crescer. Portugal cresceu muito mas não tem ciência a mais, ainda tem um défice da actividade científica. Agora que já sabemos produzir cada vez mais conhecimento científico e que recuperámos o atraso que o país tinha e hoje temos dois novos desafios além de continuar a crescer e que passam por integrar o conhecimento científico no ensino superior e articulá-lo com o tecido económico e as empresas em particular. E isso requer um esforço grande das instituições de ensino superior que têm que melhor reconhecer a actividade científica.

Não o fazem já?

Em muitas instituições de ensino superior não é devidamente reconhecido. Vou dar-lhe um exemplo: menos de metade dos nossos bolseiros do European Reseach Council não tem ainda contratos de professores nas instituições de ensino superior. Continuam a persistir centros de excelência mas ainda com défice de integração pelas instituições de ensino superior. Há uma clara necessidade de as instituições de ensino superior de reconhecer melhor e valorizar o conhecimento científico, evitando a precariedade no trabalho e dando maior estabilidade aos investigadores.

E têm verbas para o fazer?

Sabemos que não é uma questão de financiamento. Eles [bolseiros] estão a ser pagos, quer pela FCT [Fundação para a Ciência e a Tecnologia] quer pelos fundos europeus. É uma questão sobretudo de recrutamento, de validação interna, de reconhecimento e da efectiva integração das pessoas nestas estruturas. Tenho pedido isto aos reitores das universidades e politécnicos. Tenho que me pôr claramente do lado dos investigadores porque sabemos que ainda persistem no nosso sistema uma grande heterogeneidade entre aqueles que produzem e outras situações menos adequadas.

Crescemos muito mas, comparando com as zonas mais desenvolvidas industrialmente da Europa, nota-se que há ainda um défice da actividade científica. Portanto, devemos estar muito contentes com o crescimento mas de continuar a crescer e, ao mesmo tempo, melhor integrar o conhecimento científico na capacidade de formar e de criar novo valor económico. Os números são importantes mas não têm tudo. O conteúdo da actividade e a sua relevância económica, social e científica passa por uma discussão pelos pares. A produção científica mostra que recuperámos o atraso científico e que temos hoje uma capacidade científica reconhecida internacionalmente. Portanto, é algo que nos orgulha, é uma condição necessária, mas não é uma condição suficiente para continuar a crescer.

Tendo em conta os cortes nos últimos anos, estes resultados devem-se à resiliência dos investigadores?

Devem-se a um esforço público muito grande. Houve um período muito difícil durante a crise económica, entre 2011 e 2014. Mas não nos podemos esquecer de que a FCT foi criada há 20 anos com 100 milhões de euros e até 2010 multiplicou por cinco o investimento público. Este crescimento de cinco vezes mais no investimento público é multiplicado por 17 vezes na produção científica. A produção científica cresceu muito mais do que o investimento público. Hoje temos ainda um financiamento por investigador muito inferior à média europeia. Estamos a financiar os investigadores a metade da média europeia que, por sua vez, é metade da média norte-americana [segundo dados da OCDE de Fevereiro de 2017, Portugal investiu em 2015 1,28% do PIB em investigação e desenvolvimento, enquanto a média da União Europeia a 28 países era de 1,9% e nos EUA de 2,7%]. Isto mostra também que os nossos investigadores têm trabalhado muito. Porque com muito menos financiamento produzem ao nível europeu. Para continuar temos de reforçar o investimento

No seu contributo para o livro 40 anos de Políticas de Ciência e Ensino Superior em Portugal dividia o passado em vários períodos distintos. Deixava em aberto o último período que começava em 2011 e era caracterizado como “a crise internacional e a divergência com a Europa”. Esse já acabou? Em que período da evolução da ciência estamos agora?

Esse período fechou em 2015. Agora estamos no novo período da retoma do crescimento, 2016 já é um ano claramente de retoma e o orçamento do Estado de 2017, pela primeira vez, já veio aumentar o orçamento global do ensino superior e da ciência. Estou certo que estamos num período de voltar a convergir com a Europa. O período de 2011 a 2015 é, pela primeira vez na democracia portuguesa, o único período de divergência com a média europeia e desde meados de 2016 e certamente em 2017 vamos voltar a convergir com a média europeia. Esse é um esforço que todos temos de fazer para garantir que até 2020 conseguimos claramente atingir a média europeia.

O crescimento abrandou no final da última década. O que vê no futuro?

Obviamente que quando partimos de números que eram muito baixos, as taxas de crescimento são sempre maiores. Mas houve, de facto, uma questão critica, a produção científica está muito associado a dois factos: ao crescimento do número de bolsas de doutoramento (que são de quatro anos), e que cresceram até 2010 e depois diminuíram, e também ao emprego científico, que cresceu também até 2011 e depois diminuiu. Espero que no futuro volte a crescer. Em 2016 já retomámos o crescimento do número de bolseiros de doutoramento e em 2017, com o programa de estímulo ao emprego científico, vamos acelerar o crescimento dos contratos dos doutorados. Mas isto é algo que só vamos ver resultados a partir de 2018.

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