Devin Nunes, o "inspector Clouseau" com um futuro pouco cor-de-rosa

Responsável pela investigação às supostas ligações entre a equipa de Donald Trump e a Rússia está a ser acusado de desviar as atenções.

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O congressista do Partido Republicano foi acusado de ser "um cãozinho no papel de cão de guarda" Jonathan Ernst/Reuters

A vida na Administração Trump tem corrido depressa e com muitos sobressaltos, e na falta de um reality show para acompanhar as últimas novidades coube a um descendente de portugueses destacar-se como protagonista da semana neste filme cheio de estrelas: Devin Nunes, congressista da Califórnia, conseguiu o milagre de unir personalidades do Partido Democrata e do Partido Republicano, num único e cada vez mais forte pedido de demissão.

Para se contar esta história toda é preciso puxar o filme um pouco atrás, até à segunda-feira da semana passada, quando o director do FBI, James Comey, foi chamado a depor na Câmara dos Representantes.

Nesse dia, Comey disse duas coisas importantes: que o FBI lançou uma investigação criminal para saber se alguém da equipa de Donald Trump (ou próprio Donald Trump) colaborou com agentes russos para prejudicar Hillary Clinton; e que não tem conhecimento de nenhum indício que possa apoiar uma acusação feita pelo Presidente dos Estados Unidos no início do mês – que alguém tinha colocado microfones na sua Trump Tower durante a campanha eleitoral do ano passado a mando do ex-Presidente Barack Obama.

Durante dos dias não se falou de outra coisa na política norte-americana: por extensão, o actual Presidente é um dos alvos de uma investigação criminal, e ainda por cima foi desmentido publicamente pelo chefe do FBI.

Eis que entra em cena Devin Nunes, o congressista do Partido Republicano que fez parte da equipa de transição de Trump para a Casa Branca e é actualmente líder da Comissão de Serviços Secretos da Câmara dos Representantes – foi a ele, e aos restantes membros da comissão, que James Comey respondeu na audição da segunda-feira da semana passada.

Dois dias depois dessa audição, Nunes chamou os jornalistas para lhes dizer que tinha uma revelação muito importante a fazer: uma fonte anónima tinha-lhe feito chegar documentos confidenciais onde se lia que os serviços secretos escutaram conversas de elementos da equipa de Donald Trump.

Foi um anúncio bombástico, que veio dar novo fôlego à narrativa de que Trump tinha sido escutado a mando de Obama – o Presidente disse que essa revelação confirmava "em parte" a sua acusação e a comissão que ajuda a eleger políticos do Partido Republicano para a Câmara dos Representantes pôs a circular um email com o título "Confirmado: Obama espiou Trump".

Mas dessa conferência de imprensa ficaram mais perguntas do que respostas: Nunes disse primeiro que Trump era um dos escutados e depois disse que não podia confirmar essa informação; disse que as escutas eram indirectas, isto é, tinham sido recolhidas durante escutas dos serviços secretos a cidadãos estrangeiros; garantiu que nada nessas escutas mencionava o assunto Rússia; e não explicou por que razão decidiu anunciar publicamente que tinha uns documentos supostamente relevantes antes de os fazer chegar aos restantes membros da Comissão dos Serviços Secretos (nunca chegou a fazê-lo).

Com o passar dos dias, Devin Nunes foi tentando fazer marcha-atrás, mas só conseguiu que a polémica avançasse mais e mais – por um lado, foi acusado num editorial do New York Times de ser um "cãozinho no papel de um cão de guarda", e de tentar desviar a atenção das suspeitas sobre a equipa de Trump e a Rússia; por outro lado, o tema está a ganhar cada vez mais atenção, e a queimar lentamente a Casa Branca.

Já esta semana, dois senadores do Partido Republicano, John McCain e Lindsay Graham, juntaram-se ao coro de congressistas do Partido Democrata que exigem a Nunes que se afaste da investigação – Graham, no seu habitual estilo bem-humorado, disse que Devin Nunes está a fazer uma investigação "à Inspector Clouseau", numa referência à personagem desastrada da série A Pantera Cor-de-Rosa.

Apesar de ainda manter a confiança do líder da Câmara dos Representantes, Paul Ryan, Nunes está cada vez mais encostado às cordas porque não tem conseguido explicar tudo o que disse e o que ficou por dizer naquela conferência de imprensa: mais tarde disse que os documentos em causa foram-lhe mostrados por uma pessoa "nas instalações da Casa Branca", mas nem ele nem a Casa Branca querem mostrar os registos de entrada que podiam confirmar essa versão; se realmente esteve nesse dia "nas instalações da Casa Branca", a sua fonte anónima será alguém da equipa de Donald Trump? E se a resposta for "sim", como pode Devin Nunes continuar a investigar as mesmas pessoas que lhe entregaram aqueles documentos?

As respostas dificilmente serão dadas nos próximos dias, já que Devin Nunes adiou as audições que estavam marcadas para esta semana – as do ex-director dos Serviços Secretos, James Clapper; do ex-director da CIA, John Brennan; e da ex-procuradora-geral em exercício, Sally Yates. Antes disso, o congressista diz que quer ouvir novamente o director do FBI, desta vez em privado, mas ainda não há data para essa audição.

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