Mortes nos Comandos: oficial alegou que recrutas que desistiram eram fracos

Comandante de companhia disse que “desempenho” de um dos grupos, o de graduados, “ficou aquém” do esperado. Oficial é interrogado nesta segunda-feira pelo Ministério Público.

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Comandos na noite da partida de contigente para a missão internacional de paz na República Centro-Africana em Janeiro deste ano Miguel Manso

Para o capitão, que foi comandante de companhia do curso 127 dos Comandos e que vai ser interrogado como arguido nesta segunda-feira, no âmbito do inquérito-crime às mortes de dois recrutas, um dos quatro grupos da instrução, o dos graduados, “era constituído por instruendos na sua generalidade de médio/baixo” nível quanto à “parte física”. Foi esta a “avaliação empírica” feita pelo próprio capitão quanto foi interrogado por um oficial no contexto do processo interno que o Exército desencadeou para apuramento de responsabilidades.

A avaliação do capitão surgiu também como resposta à evolução do grupo de graduados neste curso, marcada por sete desistências, seis das quais registadas logo nos dois primeiros dias da prova. Além dos dois instruendos que morreram, um alferes foi internado no Hospital das Forças Armadas e não mais regressou à instrução na Carregueira.

As declarações do capitão, que será hoje interrogado no Departamento de Investigação e Acção Penal, constam do auto de inquirição conduzido no âmbito do processo interno do Exército para o apuramento de responsabilidades durante a fatídica prova, concluído em fim de Outubro de 2016, resultando em três processos disciplinares que foram entretanto objecto de recurso pelos visados.

O processo de averiguações do Exército foi junto ao inquérito-crime consultado pelo PÚBLICO. No grupo de graduados, estava o 2.º furriel Hugo Abreu que morreu na noite do primeiro dia de prova. Uma semana depois, o soldado Dylan da Silva viria a falecer no Hospital Curry Cabral.

Sargento diz que um recruta simulou desmaios

Quando confrontado pelo oficial que conduziu o processo, coronel Siborro Reis, de que “no respeitante à parte física, todos [os recrutas] tinham superado as provas físicas de acesso” ao curso, o capitão “disse que durante o estágio” de preparação, nas quatro semanas antes do início do curso, “o desempenho na generalidade do grupo foi aquém do que seria de esperar de um grupo de graduados”.

Também o 1.º sargento o encarregado de instrução do grupo de graduados, interrogado igualmente pelo coronel, considerou que só restar em Outubro um sargento na instrução (eram dez no começo) era um “cenário normal”, atendendo à “falta de capacidades físicas, técnicas e psicológicas” do grupo.

Quando lhe foi lembrado que todos haviam superado as entrevistas, testes e provas psicológicas, para admissão no curso, o sargento respondeu: “Quase todos os instruendos [do grupo de graduados] tinham falta de motivação, falta de espírito de sacrifício, falta de carácter” e destacou “pela negativa um instruendo em particular por ter simulado desmaios e quebras de tensão”.

O comandante de companhia é hierarquicamente superior aos quatro encarregados de instrução, dois dos quais (o do grupo de Hugo Abreu e o do grupo de Dylan da Silva) estão entre os nove militares constituídos arguidos até à semana passada no âmbito do inquérito-crime.

Notícia corrigida às 18h49: inicialmente dizia-se que além do capitão, era nesta segunda-feira interrogado também um tenente-coronel suspeito de não ter acatado as ordens do general comandante das Forças Terrestres que mandara suspender a recruta, o que não aconteceu.

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