A maturidade de uma líder

Cristas surpreende pela autonomia e a frontalidade com que fala de Costa, Passos, Portas e Cavaco.

Ao fim de um ano como presidente do CDS, Assunção Cristas atinge a sua maioridade política como líder na entrevista que deu esta semana ao PÚBLICO. A sua ascensão a presidente do CDS, no Congresso de Gondomar, foi inédita e apenas aconteceu porque Paulo Portas optou por a apoiar como sucessora. Cristas era uma militante recente, que se aproximou do CDS após o segundo referendo à despenalização do aborto, momento do seu percurso político a que se somou depois o de ministra da Agricultura no Governo PSD-CDS.

A maturidade política demonstrada por Assunção Cristas não se manifesta tanto na preocupação de fazer passar a sua mensagem e de mostrar que o CDS é um partido organizado que trabalha para construir uma alternativa ao Governo das esquerdas. Cristas surpreende pela autonomia e a frontalidade com que fala de António Costa, Passos Coelho, Paulo Portas e Cavaco Silva, expondo-os em graus diversos, mas demarcando-se sempre deles. O tempo dirá se não acabará por pagar — e com que preço — estas ousadias.

Em relação a António Costa, a líder do CDS não desarma do ponto de vista do combate político e na crítica às soluções encontradas pelo primeiro-ministro para a governação do país. Mas neste plano nada de novo surge na estratégia e no discurso do Largo do Caldas. Porém, Cristas dá o salto em frente na forma desassombrada como acusa António Costa de sexismo, quando questionada sobre como vê o misto de arrogância e condescendência com que o primeiro-ministro a trata nos debates parlamentares. Cristas não hesita: “Não sei se ele teria tido esta resposta para com um líder partidário homem.”

Importante é a forma como a líder do CDS se demarca do seu antecessor. Começa por assumir que o ciclo Portas tinha terminado quando ela chegou à liderança. Mostra cortesia mas alguma distância perante a hipótese de Portas ser candidato a Presidente da República, advertindo mesmo que ele “certamente terá de mudar de vida para que isso um dia venha a acontecer”. O distanciamento em relação ao anterior líder surge ainda quando afirma a capacidade de trabalho político da sua direcção em comparação com o consulado de Portas: “Não sei se fazia assim tanto. Não tanto. Teve momentos.”

Também em relação a Cavaco Silva Cristas faz uma relevante demarcação. Tão mais significativa quanto foi vista, quando desempenhava o mandato como ministra da Agricultura, como uma espécie de “filha” do casal Cavaco Silva, tal a empatia que transbordava entre os três em cerimónias públicas. Agora, não só assume que o livro do ex-Presidente não está “no topo” das suas prioridades de leitura, como faz questão de afirmar que “o tempo da história às vezes é diferente do tempo pessoal e da necessidade e da urgência pessoal em explicar as coisas”.

Mas é face ao líder do PSD que Cristas surge com maior rebeldia na demarcação, denunciando mesmo pormenores do relacionamento político entre os dois que são significativos para a história do país. Primeiro: relativamente ao período em que foi ministra da Agricultura do Governo chefiado por Passos, não tem qualquer pejo em afirmar, preto no branco, que “o Conselho de Ministros nunca foi envolvido nas questões da banca”. E lamenta até o facto de sem ter sido ouvida, ter tido que assinar o decreto-lei que acabava com o BES. Vai ao ponto de dizer: “É aí que critico um bocadinho esta coisa de não termos nada que ver, o Conselho de Ministros não tem nada que ver, mas no fim da história é ele que tem de aprovar o decreto-lei.”

A revelação mais insólita sobre o relacionamento com Passos surge a propósito das autárquicas. Crista assume que a falência das negociações para uma coligação PSD-CDS em Lisboa, se deveu ao facto de numa conversa “em final de Agosto”, ter sido para ela perceptível que “ele entendia que podia haver um risco de eleições legislativas antes das eleições autárquicas”.

É de facto uma peça determinante do puzzle sobre a estratégia de oposição do líder do PSD que talvez ajude a explicar a ideia de que, então,“o diabo” podia estar ao virar da esquina.

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