"O que me preocupa é assegurar que o Montepio não está exposto ao accionista"

O governador do Banco de Portugal dá a sua perspectiva sobre o universo Montepio e explica como vê a relação entre a associação mutualista e a Caixa Económica. Quanto a um novo modelo de supervisão, defende uma maior partilha de informação.

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Miguel Manso

Hoje em dia podemos ter a garantia de que um caso BES não se volta a repetir?
Podemos ter a garantia hoje de que há mecanismos de seguimento muito mais potentes do que havia nessa época. Temos a garantia de que hoje há uma grande atenção aos efeitos de euforia, nas fases de expansão, de forma a limitar bolhas creditícias e bolhas imobiliárias. Podemos ter a garantia de que há instrumentos de intervenção, se a questão for detectada a tempo. Ninguém pode pensar que antecipa o acto antes de ele ser produzido, ou seja, só se sabe que um crédito foi mal concedido depois de ele ter sido concedido. E é para isso que os bancos têm capital para absorver as perdas, é por isso que se pede aos bancos que tenham passivos, para absorver perdas, porque o objectivo último do supervisor é garantir duas coisas: a estabilidade financeira e a segurança dos depósitos. Avaliada a nossa acção por estes dois critérios, podemos dizer que, apesar do grande problema que tivemos, nunca houve fuga de capitais, não há depositantes que tenham perdido os seus depósitos, nem houve interrupção de financiamento da economia. E, se quisermos perceber o que significa isto, é olhar para o que aconteceu em Chipre, na Irlanda, na Grécia, na Bélgica. Em todos eles ou depositantes sofreram, ou os contribuintes sofreram muito mais do que em Portugal.

O Montepio é um caso com semelhanças com o BES, no que respeita às notícias que vão saindo nos jornais sobre quem lidera, não o banco, mas o accionista. Como está o Montepio?
A Caixa Económica está estabilizada, está num processo de reformulação do modelo de governo, tem uma administração profissionalizada, está a dar passos sérios no sentido de se transformar num pilar financeiro do terceiro sector.

E o accionista?
É uma entidade que não é supervisionada pelo BdP.

E não o preocupa que o único accionista de um banco não seja supervisionado, na prática, por ninguém?
Ele é supervisionado por uma entidade pública [Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social]. E eu creio que a entidade que o supervisiona está consciente da necessidade de ser diligente e estar atenta à instituição – certamente que estará.

Não o preocupa que haja produtos da associação mutualista, seguros, que são vendidos aos balcões da Caixa Económica Montepio Geral?
Os produtos não são supervisionados por nós. Em qualquer caso, no sentido de separar as entidades, nós requeremos a separação de marcas.

E não o preocupa que haja uma exposição excessiva do accionista à Caixa Económica? Se o accionista tiver um problema, como é que fica a Caixa Económica?
A questão não é essa. O que me preocupa não é que o accionista tenha problemas, é assegurar que o banco não está exposto ao accionista. Essa é que é a raiz do contágio. Se um accionista tiver dificuldades, vende acções e a sua participação sem afectar o banco. Só afecta se ele também beneficiar de crédito. O crédito entre entidades relacionadas não pode ser aceite.

Sente-se confortável com o modelo em que o accionista não pode ser supervisionado pelo BdP? Deve repensar-se, do ponto de vista legislativo?
Julgo que as autoridades estão atentas à necessidade de reforçar a qualidade da relação entre o accionista e a Caixa Económica. Nós próprios estamos interessados nisso.

É uma conversa que existe há bastante tempo: está toda a gente muito atenta, mas...
É óptimo que toda a gente esteja muito atenta, porque estamos num estado preliminar – que é a passagem à fase seguinte, que é tomar medidas no sentido de assegurar uma maior estabilidade. E acho que os passos vão nesse sentido: clarificação do modelo de governo, separação das entidades e separação do papel de accionista do de gestão da instituição financeira.

No que refere a regras de supervisão, o Governo tem falado com o BdP sobre as mudanças que quer fazer? E, já agora, aceita que o poder de resolução saia do BdP?
A resolução tem duas dimensões: a de acompanhamento dos bancos, que é saber se os bancos têm planos de ataque a situações-limite, que pode ficar no BdP ou não. E a situação de resolução propriamente dita, que implica a presença à mesa da entidade política, porque as opções tomadas não são politicamente indiferentes. Fazer uma recapitalização obrigatória, fazer uma resolução com venda de activos, fazer uma resolução com um banco de transição ou liquidar um banco têm implicações do ponto de vista social e de política de sistema. Mais: algumas dessas opções só podem ser tomadas por quem tem acesso a dinheiros públicos – seja com um empréstimo de transição, seja com um financiamento directo. E o BdP não pode fazer nenhum tipo de financiamento dessa natureza, nem tomar parte no capital. Não tem sentido que um acto de grande importância e urgência não se faça com a presença e sob o comando da entidade que tem o poder, a legitimidade e os recursos para o decidir. No meu entender, este poder deve estar naturalmente fora do BdP.

Outra questão é a arquitectura do sistema: há três entidades de supervisão, há um conselho de supervisores financeiros e, acima disso, existe o conselho de estabilidade financeira, que é presidido pelo ministro das Finanças, que é uma resposta à minha preocupação de ter um agente político no momento crítico de uma decisão. Temos de olhar para esta arquitectura e perguntar se ela funcionou sempre de forma eficiente.

A sua resposta é?
Que há motivos para aperfeiçoamento, tenho ideias muito claras sobre o reforço de articulação entre supervisores – e uma é a de criar um secretariado permanente para partilhar informação. 

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