Associação 25 de Abril disponível para receber conferência de Nogueira Pinto cancelada na Nova

A associação liderada por Vasco Lourenço manifestou repúdio pelo cancelamento da conferência com Jaime Nogueira Pinto.

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Nuno Ferreira Santos

É uma das "sete ofertas de espaços públicos" que Jaime Nogueira Pinto recebeu desde que a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa decidiu cancelar a conferência Populismo ou Democracia: o Brexit, Trump e Le Pen, que estava marcada para esta terça. A Associação 25 de Abril, liderada por Vasco Lourenço, disponibilizou as suas instalações para receber a palestra do historiador, manifestando "ao professor Nogueira Pinto o repúdio por este silenciamento da sua opinião".

Em declarações ao PÚBLICO, o politólogo considerou a oferta de Vasco Lourenço "simpática" e mostrou-se disponível para responder afirmativamente ao convite, acrescentando, no entanto, que cabe aos organizadores (Nova Portugalidade) a decisão de realizar a conferência e escolher o local.

E foram precisamente os organizadores desta conferência que estiveram no centro da polémica. O director da FCSH, Francisco Caramelo, explicou na segunda-feira ao PÚBLICO que o cancelamento da conferência se deveu a preocupações com as condições de segurança do evento, devido a um aparente extremar das posições. 

A conferência foi cancelada depois da pressão efectuada contra a entidade responsável pela organização, a Nova Portugalidade, considerada pela Associação de Estudantes (AEFCSH) como "nacionalista e colonialista". Na Reunião Geral de Alunos (RGA), realizada a 2 de Março, foi apresentada uma moção por um grupo de seis alunos a título individual em que se argumentava que o evento estaria "associado a argumentos colonialistas, racistas, xenófobos", pedindo-se desta maneira o cancelamento da reserva da sala onde se realizaria o debate. A proposta foi aprovada, segundo a acta da reunião divulgada pela AEFCSH, com 24 votos a favor, quatro contra e três abstenções. Com 31 alunos presentes na reunião, a AEFCSH explicou ao PÚBLICO que o número de presentes não variou daquele que, normalmente, comparece às outras reuniões do género.

Assim, e tendo em conta o carácter, previsto pelos estatutos, de "órgão deliberativo máximo dos estudantes da FCSH" da RGA cujas "decisões são de aplicação imediata e vinculam todos os estudantes e estruturas estudantis da FCSH", a AEFCSH transmitiu à direcção a moção. Num primeiro momento, a direcção decidiu manter o evento, mas, depois, considerando estar confrontada com possíveis riscos para a segurança, decidiu mesmo cancelar o evento. A associação que representa os estudantes da faculdade esclareceu ao PÚBLICO que desconhece quaisquer ameaças, acrescentando que apenas seguiu os requisitos estatutários.

Em comunicado, a Nova Portugalidade rejeita as acusações apresentadas na moção, afirmando que a equipa que constitui a organização "integra indivíduos de todos os géneros humanos". Diz ainda que o texto da moção "é ridículo".

Polémica chegou ao poder político

O caso chegou mesmo à mais alta esfera da política nacional, com o ministro do Ensino Superior a ligar nesta terça-feira ao reitor da Universidade Nova de Lisboa (UNL) para pedir garantias de que o cancelamento da conferência com Jaime Nogueira Pinto não coloca em causa o direito à liberdade de expressão.

O CDS-PP pediu esta terça-feira esclarecimentos ao Governo sobre o cancelamento da iniciativa que considerou um "ataque à liberdade de expressão e ao pluralismo democrático", noticia a Lusa. Em declarações aos jornalistas no Parlamento, o deputado do CDS-PP Telmo Correia disse que o partido enviou requerimentos aos ministros da Ciência e Ensino Superior, Manuel Heitor, e ao ministro Adjunto, Eduardo Cabrita, que tem "a tutela das matérias de cidadania" em que pergunta o que está a ser feito para evitar situações futuras. "Não estamos no PREC [Processo Revolucionário em Curso], não podemos viver num país onde as pessoas não podem emitir a sua opinião", sublinhou, citado pela Lusa. Para Telmo Correia, "não é aceitável" o cancelamento da conferência, até pela "tradição universitária, que deve ser pluralista, de ouvir opiniões contrárias".

Também o antigo líder do CDS Ribeiro e Castro apelou esta terça-feira ao boicote a conferências na FCSH enquanto não for dada uma explicação sobre o cancelamento da conferência com o politólogo. "Já participei em debates na FCSH. Não tornarei a participar enquanto não for tomada uma posição e apelo às pessoas que tenham apreço pela liberdade a fazer o mesmo, enquanto não for dada uma explicação sobre o que se passou, um pedido de desculpas e uma garantia de que não voltará a verificar-se uma situação como esta", disse à agência Lusa.

O antigo deputado centrista considerou que estas posições devem ser tomadas pela Associação de Estudantes, pela direcção da FCSH e pela reitoria da Universidade Nova de Lisboa, que não pode ficar indiferente a uma questão que "mancha o prestígio de uma universidade de referência portuguesa". "Fez-me lembrar o PREC [Processo Revolucionário em Curso] e 1975, mas nessa altura havia Mário Soares, Salgado Zenha e Manuel Alegre e agora leio que há vozes no PS que apoiam este desmando autoritário. Isto é muito grave. Considero essencial que o PS se demarque, pelo menos com o mesmo vigor com que Mário Soares se comportou em 1975", sustentou.

Para José Ribeiro e Castro, o cancelamento da conferência com Nogueira Pinto é "um ataque à liberdade, à inteligência e ao espírito académico", configurando uma "iniciativa persecutória", que é "um prenúncio péssimo para o futuro". "Na história, sabe-se quando estas coisas começam, não se sabe como acabam", disse.

Outra das personalidades a reagir à polémica foi o embaixador Francisco Seixas da Costa, que, através do Facebook, afirma que, "como membro do conselho de faculdade da FCSH", lamenta "que a direcção da escola tenha sido forçada, contra a sua vontade, a tomar esta atitude, para salvaguarda da estabilidade funcional da instituição". 

"E porque convém chamar os bois pelos nomes, que fique claro que esta inadmissível atitude censória foi tomada por uma estrutura de estudantes identificada com o Bloco de Esquerda", diz ainda o diplomata. E conclui: "Há meses, em Cascais, teve lugar um debate público com três intervenientes: Jaime Nogueira Pinto, Francisco Louçã e eu próprio. Ninguém se lembrou de boicotar a sessão. Claro."

Também o eurodeputado socialista Francisco Assis criticou o cancelamento da conferência. "Isto é um acto de censura. Acho gravíssimo, não apenas a posição da associação de estudantes – mas, enfim, aí ainda poderemos ter em conta a sua juventude – mas que a direcção da faculdade tome uma posição desta natureza”, criticou Francisco Assis, em declarações à Rádio Renascença.

O director da faculdade, Francisco Caramelo, referiu na segunda-feira ao PÚBLICO que a decisão foi tomada face ao ambiente em redor da conferência. Francisco Caramelo garante que o cancelamento "nada teve que ver" com Jaime Nogueira Pinto ou com o tema em questão. Além disso, o director admite vir a convidar o escritor para futuros debates sobre o tema.

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