Fiscalização das secretas era feita com pré-aviso e de forma burocrática

Informação consta no recurso do ex-director dos serviços de informação Silva Carvalho, que cita membro do Conselho de Fiscalização que depôs no julgamento deste caso.

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Jorge Silva Carvalho contesta a sua condenação de Novembro do ano passado Fábio Augusto

As inspecções realizadas pelo Conselho de Fiscalização das secretas eram em regra previamente comunicadas àqueles serviços com dois ou três dias de antecedência e a análise feita, sobretudo documental, estava confinada a uma lista de processos previamente enviada pelos próprios serviços de informação. As visitas tinham uma duração de cerca de uma hora e eram realizadas aproximadamente três a quatro vezes por ano.

As fragilidades da fiscalização são sublinhadas pela defesa do ex-director do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) Jorge Silva Carvalho, no recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que contesta a condenação deste antigo espião (em Novembro) a quatro anos e meio de prisão, suspensa, por ter violado o segredo de Estado, entre outros crimes.

Contudo, as afirmações não são do antigo director das secretas, mas feitas com base no depoimento de Pedro Barbosa, um professor de História da Universidade de Lisboa que foi membro do Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), entre Dezembro de 2008 e Março de 2013.

O recurso cita abundantemente Pedro Barbosa, especificando o dia, o número da sessão de julgamento e o minuto a partir do qual cada uma das informações é referida. As fragilidades são sublinhadas para contradizer uma conclusão do tribunal, que considerou não ter ficado provado que nas secretas havia uma prática habitual de aceder a facturas detalhadas das chamadas de alguém, como aconteceu com o então jornalista do PÚBLICO Nuno Simas, em 2010, na sequência da publicação de uma notícia sobre desentendimentos internos nas secretas.

A existência dessa prática é referida por dois dos arguidos deste caso, Silva Carvalho e outro ex-responsável do SIED, João Luís, condenado a dois anos de prisão, suspensos. Considerando que o depoimento de Pedro Barbosa “revela a inexistência de uma efectiva fiscalização da actividade do SIRP”, a defesa de Silva Carvalho recorda que aquele membro do Conselho de Fiscalização  referiu não ter tido acesso ao sistema informático dos serviços de informação, nem ter assistido a qualquer formação. E reconheceu igualmente nunca ter analisado nenhum manual interno das secretas.

Um advogado questionou Pedro Barbosa: “se o conselho tinha por missão fiscalizar a legalidade da actuação dos serviços e se, porventura, existiam manuais de procedimentos internos, não seria o primeiro local a fiscalizar?” O professor universitário, citado no recurso de Silva Carvalho, responde: “É capaz de ter razão. Nós não … não pusemos essa… essa questão. Não foi posta.”

“Ou seja, os próprios serviços secretos portugueses tinham a possibilidade de ‘modelar’ e controlar, a seu gosto, a fiscalização que sobre si recaía (!)", conclui a defesa do ex-director do SIED.

Pedro Barbosa reconheceu durante o depoimento ter ouvido espiões que admitiram que existiam práticas de acesso a facturações, sem contudo, apresentar provas disso. Tal ocorreu durante a investigação que o Conselho de Fiscalização do SIRP fez em 2011 ao caso Nuno Simas. Pedro Barbosa diz que nessa averiguação não foi possível chegar a nenhuma conclusão sólida sobre este aspecto perante a existência de contradições. A defesa considera que se o Conselho de Fiscalização não chegou a nenhuma conclusão- seja confirmando, seja negando a existência desta prática – o tribunal não deveria agir de forma diferente.

Silva Carvalho insiste que fez toda a sua carreira nos serviços secretos e que sendo o acesso a facturação de comunicações habitual formatou-o “a um quadro mental muito específico”, que marcava os limites entre o lícito e o ilícito.

No entanto, um outro funcionário das secretas, Nuno Dias — condenado a pagar uma multa de 1500 euros neste processo, por ter conseguido, através da companheira que trabalhava na operadora Optimus, a factura detalhada do então jornalista do PÚBLICO — nega que fosse habitual este tipo de prática e diz que foi a primeira vez que tal lhe foi solicitado. Afirma ainda não ter tido conhecimento de qualquer outro caso envolvendo colegas e insiste que apenas cumpriu uma ordem de um superior hierárquico, que entendeu como legítima, pelo que, sem consciência da sua ilicitude.

Um argumento similar é usado pela defesa da funcionária da Optimus, condenada a pagar uma multa de 840 euros, para sustentar que a arguida devia ter sido absolvida, como o próprio Ministério Público pediu. “A arguida agiu em erro sobre as circunstância do facto que levaram a que actuasse sem consciência da ilicitude dos seus actos, pois acreditava ser legítima a sua actuação em virtude de ter sido solicitada pelos serviços de informação, acreditando que estava a ajudar na segurança do Estado!”, lê-se no recurso.

Já o advogado de João Luís insiste que o facto do primeiro-ministro António Costa ter levantado o segredo de Estado apenas parcialmente, prejudicou a defesa do cliente. “[O arguido] foi privado das suas garantias fundamentais de defesa e ficaram no ar sérias dúvidas acerca da veracidade da sua tese de defesa, de que mais não fez que cumprir ordens enquadráveis no normal modus operandi dos serviços secretos”, argumenta.  

Secretário-geral das secretas criticado

No recurso, a defesa do ex-director do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa, Silva Carvalho, é extremamente crítica da actuação neste processo do actual secretário-geral do Serviço de Informações da República Portuguesa (SIRP), Júlio Pereira, que há data dos factos analisados neste caso era seu superior hierárquico. A defesa do antigo espião acusa Júlio Pereira de “enquanto secretário-geral do SIRP, se ter imiscuído, de forma despótica e sem qualquer base legal (!) no processo de levantamento de segredo de Estado”.

No recurso de Silva Carvalho – que disse durante o julgamento que a decisão de obter a facturação detalhada de Nuno Simas foi tomada com o conhecimento de Júlio Pereira, o que este negou – destaca-se a “fragilidade” dos dois depoimentos do seu antigo chefe e afirma que na segunda inquirição “foi inequívoca a falta de credibilidade da testemunha”, que alega ter dado “respostas pouco claras” e “justificações inconcebíveis”. Quanto ao facto de Júlio Pereira ter negado ser prática das secretas recorrer a fontes localizadas em operadoras de comunicações, os advogados sustentam que este faltou “flagrantemente à verdade”. 

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