Serguei Kisliak, diplomata simpático ou espião amigo da equipa de Trump?

O embaixador russo em Washington é descrito como alguém "discreto, cordial e modesto", mas também "cínico, obstinado e inflexível". Após a demissão de Michael Flynn e a revelação dos contactos que com ele manteve o Procurador-geral norte-americano, está na ribalta.

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Aos 66 anos, Kysliak é um dos mais influentes elementos do corpo diplomático russo Kathryn Scott Osler/Getty

Os convites para as festas do embaixador russo em Washington, Serguei Kisliak, costumavam ser cobiçados. Eram, por norma, repastos “extraordinários” de cinco pratos de cozinha de fusão russa, na mansão de estilo Beaux-Arts, que impressionavam os convidados e facilitavam o convívio e as trocas de ideias – e de informação. Esse era, segundo o embaixador, o seu trabalho: “O que eu faço é falar com pessoas e representar o meu país. Eu tento compreender o que se passa, e ajudar a Rússia”, explicou Kisliak num seminário na universidade de Stanford, um dia depois das eleições presidenciais americanas.

Mas agora que o nome de Kisliak se tornou sinónimo de “kryptonite”, serão poucos os intervenientes políticos de Washington a querer frequentar as suas funções, ou a responder às suas chamadas. A sua substituição estará, aliás, iminente, garantem os media norte-americanos, que especulam sobre a sua pretensa vida-dupla como espião, responsável pela recruta de “informadores” para a agência russa SVR. E tudo por causa das revelações – e alegações – de contactos e ligações suspeitas entre membros da equipa de campanha e da Administração de Donald Trump e o regime de Vladimir Putin, de quem (aparentemente) Kisliak nem é muito próximo.

O nome do embaixador é o elemento em comum nas notícias que deram origem à demissão do general Michael Flynn, afastado do cargo de conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, e que obrigaram o Procurador-geral, Jeff Sessions, a pedir escusa do acompanhamento de todas as investigações e processos, actuais e futuros, relativos à campanha eleitoral de 2016 ou às ligações entre o universo Trump e a Rússia. Os dois guardaram segredo sobre as suas reuniões com o diplomata russo, um veterano do Ministério dos Negócios Estrangeiros (russo e soviético) com décadas de experiência em missões internacionais – e que, confirmou entretanto a Administração Trump, também conversou a sós com Jared Kushner, o genro do Presidente que foi nomeado conselheiro político da Casa Branca (o encontro decorreu na Trump Tower de Nova Iorque, onde o russo entrou pelas traseiras) e com dois responsáveis da campanha de Donald Trump, J.D. Gordon e Carter Page.

Esquecimentos ou intimidade?

“É inexplicável que tantas pessoas que tiveram reuniões com o representante russo já não se lembrem”, observava esta sexta-feira a analista e comentadora política da NBC Nicolle Wallace. “A equipa desta Administração ou é a mais esquecida da História ou é aquela com maior intimidade com a Rússia”, completou. Em Moscovo, estes comentários são prova da “russofobia rampante” nos EUA, uma “histeria anti-Rússia”, como tem escrito a imprensa estatal. Para Trump, tudo o que tem a ver com a Rússia é fake news. Para o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov, o furor em torno do embaixador Serguei Kisliak parece “reminiscente da caça às bruxas da era que já pensávamos ultrapassada do macartismo”.

Tanto Moscovo como Washington estão interessados em desligar o holofote que, de repente, segue todos os movimentos de Sergei Kisliak, que apesar de ser um homem corpulento é, dizem todas as biografias, o paradigma da discrição, cordialidade e modéstia. Aos 66 anos, é um dos mais influentes elementos do corpo diplomático russo; porém, é reservado no seu protagonismo – o lugar dele é “sempre nos bastidores”, nunca no palco, que deixa para os políticos, contou à ABC o antigo embaixador norte-americano na Rússia, John Beyrle.

Os diplomatas ocidentais que o conhecem e trabalharam com ele não poupam elogios à sua inteligência e competência. “Tem uma boa reputação, de homem pragmático e que resolve problemas, e é dos diplomatas menos polémicos que conheci”, disse à NBC o antigo embaixador e representante dos EUA na NATO, Alexander Vershbow. “Quando falamos com ele, sabemos que ele está a transmitir exactamente a posição de Moscovo, e que vai reportar fielmente o teor da conversa”, acrescenta ao USA Today Derek Chollet, que trabalhou no Pentágono e na Casa Branca de Obama.

Ao mesmo tempo, notam como ele também é “cínico, obstinado e inflexível. “Tem uma mentalidade muito soviética, e era muito agressivo com os Estados Unidos”, lembrou ao The New York Times o ex-subsecretário de Estado Nicholas Burns, que negociou com Kisliak três resoluções do Conselho de Segurança da ONU para impor sanções ao Irão (o russo é especialista em matérias de controlo de armamento e proliferação nuclear). De resto, a sua biografia é esparsa: formado no Instituto de Engenharia Física de Moscovo, ingressou depois na Academia de Comércio Externo da União Soviética e entrou para o serviço diplomático. É casado, tem uma filha e fala fluentemente francês e inglês.

Profundo conhecedor dos Estados Unidos, e mexe-se bem em Washington, onde está colocado há nove anos como embaixador da Rússia (e por onde já tinha passado antes, entre 1985 e 89, quando a embaixada ainda era da União Soviética). Além disso, ocupou alguns dos postos mais importantes da diplomacia, na NATO e nas Nações Unidas.

 

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