Jimmy Kimmel não pode unir os EUA mas pode diverti-los (à custa de Trump)

O Presidente dos EUA esteve em foco nos momentos mais aplaudidos do monólogo de abertura dos Óscares

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Um monólogo para divertir os americanos (e os 225 países que os odeiam)

Jimmy Kimmel tinha dito que “podia ser demais” deixar a tensão política dominar um espectáculo de glamour. No entanto, o monólogo de abertura do apresentador desta edição dos Óscares teve nas referências ao momento político e ao Presidente Trump os momentos mais aplaudidos. “O país está dividido” e pediam-lhe algo para “unir” as pessoas – mas “não posso fazer isso. Só há um Braveheart nesta sala e ele também não nos vai unir”, brincou com Mel Gibson, com o clima polarizado nos EUA e com a tarefa quase impossível que era corresponder às expectativas e responder à pressão de sintetizar Hollywood e um momento numa punchline.

Numa cerimónia que começou com Justin Timberlake a interpretar a nomeada Can’t stop the feeling, composta para o filme Trolls, e que imprimiu uma toada mais animada numa cerimónia que muitos esperavam tensa, Jimmy Kimmel abriu o seu monólogo a lembrar que a gala deste ano está a ser vista por mais de 225 países “que agora odeiam” os Estados Unidos.

Entre referências à sua incapacidade de unificar os EUA, um “país dividido”, Kimmel deixou um conselho: que as pessoas comuniquem umas com as outras, esquecendo as suas divergências políticas. “Só assim vamos tornar a América grande outra vez”, lançou, numa referência directa ao slogan da campanha presidencial de Donald Trump.

Num registo predominantemente irónico, o apresentador agradeceu ao Presidente por conseguir, com as suas recentes declarações e medidas, pôr em perspectiva as críticas de racismo dirigidas à Academia na edição do ano passado. "Que ano maravilhoso para o cinema: os negros salvaram a NASA e os brancos salvaram o jazz!", brincou.

Os agradecimentos estenderam-se ainda aos serviços de Segurança Interna, por terem permitido a entrada no país da actriz francesa Isabelle Huppert, nomeada este ano para o Óscar de Melhor Actriz. Em Hollywood “não discriminamos pela origem, discriminamos pela idade e pelo peso”, brincou Kimmel sobre as exigências que condicionam sobretudo as actrizes.

Na recta final do monólogo, Meryl Streep serviu novamente como intermediária de mais críticas ao Presidente dos EUA. Recordando as críticas de Trump à actriz após o discurso que esta fez na última cerimónia dos Globos de Ouro, Kimmel reconheceu que os Óscares não premeiam apenas os grandes actores. Também abrem espaço para os sobrevalorizados, recordando ironicamente o epíteto que lhe tinha sido atribuído por Trump – “uma actriz sobrevalorizada” – a interpretação “medíocre” da actriz em O Caçador e as “desapontantes performances” em A Escolha de Sofia ou Kramer contra Kramer.

Kimmel pediu ainda à plateia uma “salva de palmas completamente imerecida” para a actriz, antes de atirar uma provocação a Streep (e sobretudo ao Presidente dos EUA): “Belo vestido. É da colecção da Ivanka [Trump]?”. A sala aplaudiu em pé.

No final uma passagem pelo WC da Casa Branca: Jimmy Kimmel deixou uma nota de consolo para todos os possíveis vencedores de Óscares nesta noite, lembrando-os de que é muito provável que os discursos sejam dissecados e comentados por Trump num dos tweets que o Presidente poderá escrever “na sua ida à casa de banho das cinco da manhã”.

E depois do monólogo

A cerimónia só na sua recta final começou a associar os norte-americanos da indústria a discursos de temática mais política – até certo ponto, num evento cheio de ovações em pé (para Shirley McClaine, para Meryl Streep, para Faye Dunaway e Warren Beaty, para os Capacetes Brancos que ajudam as vítimas da guerra na Síria) foram os ausentes e os estrangeiros que falaram mais alto, como é o caso de Asghar Farhadi.

Levando ao palco uma astronauta iraniano-americana, Anousheh Ansari, que segundo a BBC subiu ao palco com Firouz Naderi, ex-cientista da NASA de origem iraniana, a vitória de O Vendedor gerou um discurso em diferido sobre diversidade e "empatia" e o papel dos cineastas ao criá-la, a propósito da "lei desumana que bane a sua entrada nos Estados Unidos" e que fez com que Farhadi não fosse receber o seu segundo Óscar. Mais à frente, os premiados pela curta White Helmets tinham já apelado ao fim da guerra na Síria, depois de o actor mexicano Gael Garcia Bernal ter afirmado: "Sou contra qualquer forma de muro que nos separe". 

"Empatia" foi uma das palavras mais ouvidas e evocadas ao longo da cerimónia, sobretudo nos discursos. Os apresentadores apelavam a variantes do mesmo tema humanista, como Warren Beatty, antes do engano que por segundos deu o Óscar de Melhor Filme a La la land, a solicitar "diversidade e liberdade em todo o mundo". "Meryl Streep" foi outra expressão tendência na cerimónia, com a própria a dizer pouco e a servir então de ponto de ressalto a mais algumas piadas de Kimmel – como os tweets que foi enviando directamente ao Presidente dos EUA (#merylsayshi, ou "a Meryl diz olá"). Houve também referências aos "acontecimentos" da semana passada na Suécia (onde Trump dissera ter sucedido um atentado, que não existiu) ou ao pedido para que os membros de vários jornais abandonassem o edifício (por a Casa Branca ter banido alguns órgãos de informação do seu briefing na sexta-feira).

Mas foi o realizador e autor de Moonlight que resumiu o que se quis que fosse um dos temas da noite, depois de a presidente da Academia ter falado dos elos que unem os artistas e dito que "a arte não tem fronteiras" nem uma só fé, Barry Jenkins recebeu o Óscar de Argumento Adaptado com a promessa de contar as histórias de pessoas de todas as cores. E disse, sobre as associações de protecção de direitos civis ou sobre Hollywood representada pela Academia e pelo evento-Óscar: "A todos os que sentem que não há aí nenhum espelho, que a vossa vida não é reflectida, a Academia está convosco, a ACLU está convosco, nós estamos convosco".

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