Uber sexista? "A mudança não acontece sem catalisador"

Travis Kalanick, director-executivo da Uber, pede desculpa.

Foto
Ariana Huffington escreveu que pode ser um ponto de viragem para as mulheres na indústria da tecnologia Martin Henrik

Travis Kalanick, director executivo da Uber, pediu desculpa pela criação de uma cultura empresarial que permita que as queixas de assédio sexual de uma antiga engenheira da empresa sejam ignoradas. Numa reunião, terça-feira à tarde, o fundador da empresa respondeu às perguntas dos trabalhadores e assegurou que o caso vai ser investigado por uma equipa independente. No blog da empresa, Ariana Huffington, do Conselho de Direcção, escreveu que pode ser um ponto de viragem para as mulheres na indústria da tecnologia. 

Depois da publicação no blog de Susan Fowler, antiga engenheira da Uber que denunciou vários episódios de assédio sexual e sexismo, Travis Kalanick marcou uma reunião interna para discutir a questão do sexismo e pedir desculpa. 

Alguns trabalhadores, que preferiram manter o anonimato, descreveram a reunião como “honesta, cruel e emocional” e mostraram-se surpreendidos com a atitude de Kalanick, escreve o site The Verge. A surpresa deve-se, aparentemente, ao facto de Kalanick quase nunca se mostrar emocionado. No entanto, e de acordo com o relato da Bloomberg, o director executivo terá chegado a lacrimejar durante a reunião, pedindo desculpa pela falta de diversidade dos trabalhadores na equipa e pela falta de capacidade de dar sequência às queixas que recebe.

Sobre a publicação de Fowler, Kalanick já tinha afirmado, em comunicado, que que a experiência da engenheira foi “abominável e contra tudo o que a Uber acredita e defende”.

Num e-mail interno, enviado também na segunda-feira, lia-se que Eric Holder, antigo Procurador-Geral dos EUA, vai supervisionar o “inquérito independente” sobre as acusações de sexismo na empresa. A equipa que vai conduzir o inquérito vai ser constituída por Tammy Albarran, advogada na empresa de Holder, a Covington & Burling, Ariana Huffington, co-fundadora do The Huffington Post e actual membro da administração da Uber, Angela Padilla, advogada da Uber e Liane Hornsey, chefe dos Recursos Humanos da Uber.

Eric Holder foi o último nome anunciado, numa altura em que as críticas à constituição da equipa se começavam a avolumar – criticava-se sobretudo o facto de ser constituída quase exclusivamente por funcionários da Uber e por uma empresa que já trabalhava para a Uber antes, o que punha em causa a independência do inquérito.

Ariana Huffington, que assina uma publicação no blog da Uber, escreve que a reunião consistiu em “mais de uma hora” de discussão sobre "o papel das mulheres no local de trabalho”.

“Travis falou muito honestamente sobre os erros que cometeu – e em como quer que os eventos das últimas 48 horas sirvam para construir uma Uber melhor”, lê-se. Huffington acrescenta que vê como um aspecto positivo o facto de os trabalhadores responsabilizarem os superiores por erros deste tipo, sentindo-se, também ela, responsável.

“A mudança normalmente não acontece sem um catalisador. Espero que ao tirarmos tempo para perceber o que correu mal e procurarmos soluções, consigamos também contribuir para a melhoria das condições das mulheres de toda a indústria”, escreve Ariana Huffington.

Não é a primeira vez que a Uber está debaixo de fogo. Em Janeiro de 2017, a hashtag #DeleteUber começou a ganhar popularidade nas redes sociais (em particular, no Twitter). Em causa, está o alegado “boicote” da empresa às manifestações contra a ordem executiva assinada por Donald Trump que impedia a entrada de cidadãos de sete países de maioria muçulmana nos EUA.

Em paralelo à história de Susane Fowler, outras mulheres, antigas funcionárias da Uber, começaram, também elas, a partilhar histórias de sexismo e assédio. Aimee Lucido assina uma publicação no seu blog em que descreve a história de Fowler como “a verdade inconveniente da indústria da tecnologia”. “Eu acho que é nojento e terrível, mas não estou chocada”, avalia.

“Todos sabemos que há um problema de sexismo na tecnologia, mas esquecemo-nos do quão extremo, frustrante e severo pode ser, até que acontece a alguém que conhecemos”, escreve. Aproveita, então, para narrar um episódio semelhante de assédio, que aconteceu enquanto estagiava na Google.

“Em alguns níveis, conseguimos perceber que o sexismo existe. Percebemos que o racismo, a discriminação em função da idade, a homofobia, a xenofobia etc. etc. existem, mas só internalizamos quando acontece a alguém que nos é próximo”, acrescenta.

Conta que o número de mulheres na Uber tem vindo a decrescer. Já Fowler tinha tocado no mesmo assunto, referindo que quando entrou na Uber as mulheres constituíam 20% da força de trabalho, mas que, quando saiu, representavam apenas 3% dos engenheiros da empresa. 

Sugerir correcção
Comentar