Após demissão de Renzi, Partido Democrático entra em rota de cisão

A consumar-se, a ruptura do PD mudará a paisagem política italiana, abrindo uma avenida aos populismos. Não se deve a divergências ideológicas mas a uma disputa do poder entre pessoas e clãs.

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Matteo Renzi partiu para a Califórnia depois de se ter demitido de secretário do PD Reuters

As divergências dentro do Partido Democrático (PD, no governo) parecem ter tornado irreversível o cenário de uma cisão. No domingo, Matteo Renzi, o seu líder e ex-primeiro-ministro, demitiu-se do cargo de secretário do partido para acelerar a realização de um congresso e de eleições primárias, com que conta retomar a hegemonia interna. Os opositores rebelaram-se contra a decisão e acusaram Renzi de provocar a ruptura.

Sempre houve divergências ideológicas no PD, que juntou herdeiros do Partido Comunista Italiano (PCI), da esquerda democrata-cristã e liberais de esquerda. Desta vez não são as querelas ideológicas que contam mas rivalidades pessoais e cálculos eleitorais. No Corriere della Sera, o editorialista Gian Antonio Stella vai mais longe e fala no “ódio frio” que marcou no domingo a assembleia do grupo parlamentar.

Ontem, estava em curso uma reunião da direcção do PD para estabelecer a data do congresso e eleger a comissão nacional organizadora. Renzi, declarando que já não era o secretário do partido, não compareceu, partindo para uma “viagem de estudo” na Califórnia. Também não comparecerem os apoiantes de antigo líder Pier Luigi Bersani, um dos mentores da secessão.

Entre os “secessionistas” figuram alguns “jovens turcos” da ala esquerda e figuras da “velha guarda” pós-comunista. Os mais destacados actores, para lá de Bersani, são Roberto Speranza e o presidente da região da Toscânia, Enrico Rossi, além de quadros vindos da CGIL (confederação sindical). Outra figura de proa, o presidente da Apúlia, Michele Emiliano, anunciou ontem ter decidido permanecer no partido e disputar a liderança a Renzi no congresso. Os opositores contam arrastar entre 40 e 47 deputados (dos quase 300 do PD) e 20 senadores (em perto de 140).

Como “eminência parda” da cisão a imprensa italiana aponta o nome de Massimo D’Alema, antigo primeiro-ministro e também antigo líder dos Democratas de Esquerda (DS, pós-comunistas), um dos antecesores do PD. D’Alema, marginalizado por Renzi, sempre manobrou contra ele. Foi o aglutinador do bloco que impulsionou o “não” no referendo constitucional de Dezembro, o que levou à demissão de Renzi do cargo de primeiro-ministro.

No domingo, os opositores, que recusam eleições antes de 2018, acusaram Renzi de colocar as ambições pessoais acima do partido, enfraquecendo também o actual governo chefiado por Paolo Gentiloni, que é uma cópia do executivo anterior de Renzi.

Este respondeu-lhes que “se a palavra secessão é uma das mais feias do vocabulário político, a chantagem é ainda pior”. Um partido não pode viver sob o diktat da minoria, frisou. “A minoria tem o direito de me derrotar mas não de me eliminar.” Líder do partido desde fins de 2013 e depois primeiro-ministro, Renzi propôs- se “mandar para sucata” o antigo grupo dirigente e impôs uma personalização do poder. Suscitou o ressentimento da minoria, em particular da “velha guarda” oriunda do PCI.

Um “suicídio”

Para o antigo primeiro-ministro Romano Prodi, “a cisão é um suicídio”. O La Repubblica fala em “eutanásia democrática”. Para mais, a unidade da minoria é ilusória e limita-se à oposição a Renzi. Admite-se a sua posterior fragmentação. Uma cisão reduzirá ainda drasticamente a possibilidade de vitória eleitoral do PD nas eleições locais de Junho e nas futuras legislativas.

“A cisão seria uma tragédia. A cisão seria uma ruptura no dique, ainda sólido, contra os populismos e a raiva social”, disse Graziano Delrio, ministro das Infra-estruturas.

Escreveu no domingo Marco Damilano, subdirector do L’Espresso: “A partir desta noite, o Movimento 5 Estrelas torna-se virtualmente no primeiro partido italiano. O PD é um partido queimado.”

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