Juiz infligiu primeiro revés a Trump e os aviões começaram a descolar

Presidente norte-americano, furioso com "pseudo-juiz", garante que decisão será anulada. Temendo que a janela de oportunidade se volte a fechar imigrantes e residentes estrangeiros apressam viagens para os EUA.

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A decisão do juiz de Seattle é a primeira a impor uma suspensão nacional do decreto presidencial Monica Almeida/Reuters

É um primeiro recuo da Administração Trump – forçado e provavelmente temporário, mas ainda assim um recuo. Horas depois de um juiz federal ter ordenado a suspensão temporária da aplicação do decreto presidencial que barrou a entrada nos Estados Unidos aos cidadãos de sete países de maioria muçulmana, as companhias aéreas receberam ordens para permitir o embarque dos passageiros visados e o Departamento de Estado revogou os vistos que tinha cancelado uma semana antes.

O Presidente norte-americano reagiu como sabe, numa sequência furiosa de mensagens no Twitter: “A opinião deste pseudo-juiz”, escreveu, “é ridícula e vai ser anulada”. Donald Trump sublinhou que é “um grande problema” quando “um país deixa de ser capaz de decidir quem entra e sai” e garantiu que “alguns países do Médio Oriente concordam” com a sua decisão: “Eles sabem que se certas pessoas conseguirem entrar [o que acontece] é morte e destruição”.

A Casa Branca garantiu também que a “revoltante” decisão seria anulada nos tribunais, mas o Departamento de Justiça não apresentou ainda a providência cautelar a pedir a sua suspensão. Perante isto, o Departamento de Segurança Interna – que terá sido pela assinatura do decreto presidencial – informou as companhias aéreas que podiam voltar a transportar os passageiros oriundos dos sete países visados pela proibição, Irão, Iraque, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iémen. Uma após outra, a Qatar, a Ethihad, a Emirates, ou as europeias Air France, Iberia e Lufthansa levantaram as restrições ao embarque, alimentando a esperança de quem tinha sido mandado para trás ou foi impedido de viajar.

“Estou numa corrida contra o tempo”, contou à Reuters uma investigadora sudanesa que tentava comprar um bilhete no aeroporto de Cartum que lhe permitisse regressar aos Estados Unidos antes que a Administração fechasse a porta temporariamente aberta. A milhares de quilómetros dali, Fuad Sharef, um iraquiano que deveria ter emigrado na semana passada com a família para os EUA, não continha a alegria. “Estou muito contente por irmos viajar hoje. Finalmente, conseguimos”, garantiu no átrio de partidas do aeroporto de Erbil, no Curdistão iraquiano, preparando-se para a viagem que o levaria até Nashville, no Tennesee.  

À mesma hora, em Teerão, embarcavam os passageiros de um voo que deveria aterrar ao final do dia em Washington, já com a certeza de que não seria barrados pela guarda-fronteiriça americana – o Departamento de Segurança Interna anunciou que iria voltar a aplicar, até nova ordem, as normas em vigor antes da assinatura do decreto presidencial; o Departamento de Estado garantiu que “os indivíduos cujos vistos não tenham sido fisicamente cancelados podem viajar”.  

O maior desafio constitucional

“Somos uma nação regida por leis. Nem sequer o Presidente pode violar a Constituição. Ninguém está acima da lei, nem mesmo o Presidente”, congratulou-se o procurador-geral do estado de Washington, Bob Ferguson, à porta do tribunal federal em Seattle. Lá dentro, o juiz James Robart acabara de desferir o maior revés à fúria legislativa de Donald Trump, ao suspender temporariamente o decreto presidencial, alegando que o motivo invocado pela Administração – a necessidade de proteger o país do terrorismo – só seria admissível “se fosse baseado em factos, não em ficções”.

Dezenas de casos foram levados aos tribunais federais na última semana (horas antes de Robart, um juiz de Boston recusou prolongar a moratória que impedia a detenção de alguns imigrantes), mas a decisão de Seattle foi a primeira a suspender a medida a nível nacional. O pedido foi apresentado pelo estado de Washington, a que se juntou depois o Minnesota, invocando danos causados às instituições pela proibição, mas o impacto da decisão judicial vai mais além, ao questionar os limites dos poderes presidenciais e a discriminação de pessoas com base na sua nacionalidade.  

Não é inédito um juiz federal travar a aplicação de um decreto presidencial – em 2016 um juiz do Texas bloqueou o decreto de Barack Obama que visava suspender a deportação de imigrantes em situação ilegal –, abrindo caminho a processos que quase sempre desaguam no Supremo. O que é pouco habitual é a rapidez com que o poder judicial se viu obrigado a pronunciar-se sobre as acções da Casa Branca. “Uma das muitas diferenças entre Obama e Trump é que Obama percebia os limites de um decreto presidencial”, disse ao Washington Post Daniel P. Franklin, professor da Universidade Estatal da Geórgia e perito em poder executivo. “A equipa de Trump pensava que podia governar por éditos, mas não pode.”  

 

 

 

 

 

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