Governo justifica parte significativa dos vínculos temporários no Estado

Relatório identifica 89.406 pessoas com vínculos de carácter temporário na administração central e nas empresas públicas. Governo avisa que há "muitos milhares de trabalhadores" que não se justifica que tenham vínculo.

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Relatório foi elaborado por grupo de trabalho liderado pelo Ministério das Finanças, que está a cargo de Mário Centeno LUSA/MIGUEL A. LOPES

Em meados do ano passado, havia cerca de 90 mil pessoas a trabalhar para o Estado com contratos a prazo, em regime de prestação de serviços, inseridos em contratos emprego-inserção, a fazer estágios ou com bolsas de investigação. O relatório que fez o levantamento dos instrumentos de contratação de natureza temporária na Administração Pública, divulgado nesta sexta-feira pelo Ministério das Finanças, reconhece que ainda não é possível identificar em concreto qual a dimensão da precariedade no Estado e avisa que a resposta só chegará no final de Março, depois de uma análise mais detalhada de cada caso. Ainda assim, e antecipando o resultado, no documento o Governo defende a existência de uma parte significativa das situações contratuais temporárias, dando já a entender que nem todos os trabalhadores serão abrangidos pelo programa de regularização extraordinária de vínculos precários.

Esta posição de partida contraria as expectativas do PCP e do BE que, nesta sexta-feira, deixaram claro que é preciso dar resposta a todas as pessoas que satisfazem necessidades permanentes dos serviços.

Os bloquistas querem que sejam incluídos na contagem os trabalhadores de empresas de trabalho temporário que exercem funções na administração central e local e nas empresas públicas. “Não seria aceitável deixar qualquer caso de fora”, avisou o deputado José Soeiro.

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Os comunistas exigem que todos os trabalhadores identificados sejam integrados. Rita Rato, deputada do PCP, reafirmou que “a um posto de trabalho permanente deve corresponder um vínculo efectivo”.

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De manhã, antes da divulgação oficial do documento - que aponta para a existência de 89.406 pessoas com vínculos de carácter temporário na administração central e nas empresas públicas - o ministro do Trabalho, Vieira da Silva, deixou o aviso de que o relatório inclui inúmeras situações em que os vínculos temporários se justificam.

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“Não podemos confundir pessoas com vínculos desadequados, com outras situações, como as que existem na Segurança Social, onde há equipas médicas que fazem verificação de baixas, que têm a sua profissão mas que têm uma avença [para prestar esse serviço]. E essas pessoas estão nestes números, como muitas outras”, justificou em declarações à TSF.

"Existem muitos milhares de trabalhadores na Administração Pública que não se justifica que tenham vínculo", acrescentou ao final do dia, após uma reunião da concertação social.

Educação, Defesa e Ciência lideram

O documento dá conta de uma realidade muito diversificada de relações contratuais no Estado, com expressões diferentes de sector para sector (ver infografia)

A contratação a termo é a que tem maior peso nas 89.406 situações identificadas na administração central e no sector empresarial do Estado. O relatório dá conta de 68.988 contratos a termo resolutivo. Seguem-se as prestação de serviços (12.834), as bolsas de investigação (3662), os contratos emprego-inserção (1834) e os estágios remunerados (793).

Educação, Defesa, Ciência e Ensino Superior e Saúde empregavam 95% dos trabalhadores a contrato. No caso da Educação, que tem 26.133 contratos a termo, o documento refere que “o recrutamento de docentes através de contratos a termo resolutivo não corresponde, em princípio a necessidades permanentes do sistema”, ainda assim há medidas em curso para integrar até 3200 professores no quadro e contratar auxiliares. Nesta área há situações, como os contratos para substituir mais de 10 mil professores de baixa prolongada, que não darão lugar à integração no Estado.  

Na Defesa, a quase totalidade dos 12.771 contratos a termo resolutivo corresponde a efectivos militares que prestam serviço nos vários ramos das Forças Armadas em regime de voluntariado e que, na perspectiva do Governo, “não podem ser consideradas como relações laborais precárias no seio da Administração Pública”.

O Governo alerta ainda que na Ciência e Ensino Superior a maioria dos 11.180 contratos a termo dizem respeito a admissões feitas pelas instituições de ensino superior para actividades de docência. E, justifica-se no relatório, estão enquadrados pelo regime de contratação de professores convidados, assistentes convidados ou monitores, sendo que "a contratação a termo é a única via legal aplicável". E acrescenta ainda que as contratações a termo de docentes e assistentes convidados são "situações excepcionais" para suprir necessidades pontuais ou recrutar especialistas de "reconhecido mérito".

Na área da Saúde, o problema coloca-se sobretudo nos hospitais EPE (10.336 contratos a termo), nomeadamente nos enfermeiros e auxiliares de acção médica. Ora, no relatório, uma parte não quantificada destas contratações é justificada com a necessidade de responder à “elevada taxa de absentismo no sector da saúde” e às situações decorrentes do facto de estes grupos profissionais serem constituídos maioritariamente por mulheres, o que leva à ausências no âmbito da protecção na parentalidade (casos como o horário flexível ou a dispensa de realização de trabalho nocturno, que obrigam ao reforço de trabalhadores).

No caso das prestações de serviço, uma fatia significativa diz respeito à área do Trabalho e da Segurança Social que declarou ter 4460 vínculos desta natureza. Os formadores contratados pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional representam 85% dos recibos verdes, com o relatório a alertar que dada a flexibilidade das acções formativas exige-se que o perfil e habilitações dos formadores tenham a mesma adaptabilidade. Há ainda as situações de médicos contratados para verificação de baixas por doença que se limitam a prestar serviços, refere ainda o documento.

Olhando para estas justificações, que ao longo do relatório se estendem a outras áreas, poderá concluir-se que haverá uma parte significativa de trabalhadores a ficar fora dos quadros do Estado. O relatório identifica também quase 27 mil vínculos temporários nas câmaras, juntas de freguesia e no sector empresarial local, dos quais mais de 12.700 são contratos emprego-inserção. Contudo, o sector sector local ficará fora do programa de regularização.

Identificação de precários só em Março

A identificação dos trabalhadores que estão efectivamente em situação de precariedade no Estado só chegará no final de Março, quando as comissões de avaliação criadas junto de cada ministério analisarem em concreto se os trabalhadores com vínculos temporários estão a satisfazer necessidades permanentes nos serviços. Nessa altura conhecer-se-ão os verdadeiros precários, sendo que o ministro das Finanças, Mário Centeno, disse esta semana que tinha de haver "exigência" na definição do que são necessidades permanentes.

Ao mesmo tempo, os serviços que recorrem a instrumentos de contratação temporária “deverão fazer uma análise detalhada das necessidades futuras de emprego público”. Essa análise deve incluir uma projecção das saídas voluntárias (aposentação), as cessações dos contratos temporários que venham a ocorrer e a dimensão do mapa de pessoal.

Com base nessa avaliação, será apresentado um programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública, que terá de estar definido no final do primeiro trimestre deste ano, e só nessa altura será possível ter uma ideia de quantas vagas há disponíveis e quantas pessoas vão ser integradas.

O concurso deverá ser o modelo a privilegiar, mas como será aberto a todos os trabalhadores, não há a garantia de que os precários serão seleccionados, embora a experiência no desempenho daquelas funções possa ser valorizada, dando vantagem à pessoa que ocupou o lugar.

O Ministério das Finanças não espera que as contratações resultem num aumento global dos custos com pessoal. Além de os trabalhadores que venham a ser admitidos já estarem na administração, há ganhos de eficiência e de produtividade com a redução da rotação de trabalhadores, que permitirão compensar eventuais aumentos de despesa. com Maria Lopes

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