Em 2016 houve mais de 700 queixas contra polícias

Maioria dos casos é relativa a agressões. Inspecção-Geral da Administração Interna diz que situação é “preocupante” e que está em causa a “violação grave dos direitos dos cidadãos sob custódia policial”.

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Operação conjunta da PSP e GNR no Porto em 2010 Fernando Veludo

Em 2016, foram mais de 700 as queixas enviadas por cidadãos contra polícias, de acordo com dados provisórios disponibilizados ao PÚBLICO pela Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI), a entidade que recepciona as queixas e que tutela disciplinarmente a PSP, a GNR e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). A violência física surge no topo das queixas. Mais de um terço destas participações (250) estão relacionadas com situações de ofensas à integridade física.  

Nos últimos cinco anos, as denúncias contra policias têm-se mantido sempre acima das 700 por ano. Em 2012, chegavam às 817 tendo aumentado em 2013 para 830. Diminuiram para as 711 em 2014 e voltaram a aumentar para 717 em 2015 e 730 no ano passado. No leque das denúncias, contam-se ainda casos de abuso de autoridade, ferimentos ou ameaça com arma de fogo, ilegalidades e recebimento de comissões, entre outros. Estes dados não se referem à Polícia Judiciária nem à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica que são tuteladas por outros ministérios. 

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Já no relatório de 2015 da IGAI, a inspectora-geral, a juíza Margarida Blasco, classificava de “preocupante” o valor registado por ofensas à integridade física “no universo global das participações”. Os casos analisados pela IGAI envolvem “a violação grave dos direitos dos cidadãos sob custódia policial” e podem resultar na abertura de inquéritos ou de processos disciplinares individuais, confirma Margarida Blasco que está à frente da IGAI desde 2012. Em paralelo, podem correr processos-crime nos tribunais.

Louvor a agente acusado

O caso do subcomissário da PSP que agrediu um adepto do Benfica em Abril de 2015 à porta do Estádio de Guimarães “correu todas as fases” de um processo na IGAI, dispensando o processo de averiguações, explica a responsável, que não pode fazer comentários ou dar informações sobre casos concretos.

O episódio foi filmado e as imagens circularam nos sites da comunicação social e nas redes sociais. No fim do inquérito, durante o qual foi aplicada uma suspensão preventiva, a IGAI recomendou que ao oficial, que lidera a esquadra de investigação criminal da PSP de Guimarães, fosse aplicado um processo disciplinar também na forma de uma suspensão de 200 dias.

Depois da suspensão preventiva, o agente retomou funções como subcomissário da PSP de Guimarães. E depois recebeu até um "louvor em nome dos bons serviços prestados no policiamento de recintos desportivos", noticiou recentemente o Correio da Manhã e confirmou o PÚBLICO.

Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério da Administração Interna, que tutela a PSP, a GNR e o SEF, polícias às quais se referem estes dados, respondeu que "não faz qualquer comentário sobre a matéria". Apenas esclarece que a pena prevista no âmbito do processo disciplinar pela IGAI está pendente de decisão do tribunal administrativo, onde o agente interpôs uma acção. Ou seja: o caso data de 2015 e a pena proposta no âmbito do processo disciplinar ainda não foi aplicada.

Em paralelo, o agente aguarda a decisão do tribunal judicial depois de ter sido acusado pelo Ministério Público em Maio de 2016 de ofensas à integridade física, falsificação de documentos, denegação de justiça e prevaricação.

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"O peso do corporativismo"

A PSP, que conta com cerca de 21 mil agentes e está principalmente presente nos espaços urbanos, surge no topo da lista das denúncias (56%) que chegaram nos últimos cinco anos à IGAI. Já a GNR, que tem cerca de 22 mil militares ao seu serviço nas restantes zonas do país, surge em segundo lugar (34%). As restantes queixas referem-se a outras entidades do MAI. Na lista constam situações de abuso da autoridade, ilegalidades, irregularidades ou comissões, ofensas corporais, queixas de natureza interna ou profissional, práticas discriminatórias ou ameaça e ferimento com armas de fogo, e outros, que envolvem igualmente casos, mas apenas pontuais, no SEF. Os dados incluem ainda casos residuais referentes a empresas de segurança privada.

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O número de processos disciplinares é sempre muito inferior ao total das queixas. Em 2015, por exemplo, segundo o relatório anual de actividades da IGAI, houve 21 processos disciplinares e mais de 700 casos inspeccionados. “O peso da instituição é muito grande e o corporativismo permite ocultar casos. Mesmo as situações de queixas dirigidas à IGAI não são propriamente resolvidas”, considera o sociólogo Ricardo Loureiro, activista dos direitos humanos ligado à Associação contra a Exclusão pelo Desenvolvimento. 

Nos processos judiciais, a primeira dificuldade surge, desde logo, na primeira instância, acrescenta o investigador. “O depoimento da polícia tem mais força. A sua versão é criada colectivamente e prevalece sobre a versão do queixoso, mesmo que este apresente exames médicos ou testemunhos” que comprovem a denúncia. A esta dificuldade, acresce outra: a de falta de informação."Não há dados quantificados."

O PÚBLICO pediu informação sobre o número de processos por violência policial que resultaram numa condenação. Em resposta, o Ministério da Justiça fez saber que no âmbito das estatísticas da Justiça, não é recolhida "informação com detalhe que permita responder ao que especificamente foi solicitado”.

 

Notícia corrigida este sábado. O artigo referia que as queixas que se mantiveram sempre acima das 700 nos últimos anos correspondiam a casos de violência física. Mas esse total de queixas inclui também outro tipo de casos como o artigo refere.

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