“Enquanto me batia, virou o dístico da polícia para eu não ver o nome”

Filomeno deixa o seu testemunho: "Nunca me esqueci daquelas agressões. Apresentei uma queixa e a justiça não fez nada."

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Caso ocorreu em 2011 numa esquadra ENRIC VIVES-RUBIO

Foi em 2011, e Filomeno (nome fictício) lembra-se como se fosse hoje. Eram umas 22h30 e estava com uns amigos no Largo de São Domingos, junto ao Rossio, em Lisboa, quando um carro da PSP parou e lá de dentro saiu um agente que insistentemente perguntou o que se passara num restaurante a uns metros dali. Pediu-lhes a identificação e todos a apresentaram.

Teria havido desacatos mas Filomeno e os amigos de nada sabiam. “Não era connosco. Não tínhamos nada que responder”, diz. Insistiram com ele em particular e Filomeno, de 42 anos, continuou sem responder. Foi tudo muito rápido. Momentos depois estava a ser levado de carro para a esquadra (a que foi entretanto encerrada no Martim Moniz). “Mal entrei no carro levei uma estalada de um dos agentes. Não percebi a razão, nem o que estava a acontecer. Foi com força e os óculos caíram-me da cara.”

Já na esquadra continuou a ser agredido. “Eu nunca me esqueci daquelas agressões. Fiz uma queixa e a justiça não fez nada”, diz. “Não me esqueço porque ele agrediu-me muito na cara, não respeitou o facto de eu ter óculos. Senti-me desrespeitado. Ele era muito agressivo.”

Durou uns 20 minutos, Filomeno ficou sentado numa cadeira. “Enquanto me batia ele tapou o dístico para eu não ver o nome. Virou-o de modo a escondê-lo. Eu não podia defender-me. Era só um que batia enquanto os outros estavam a assistir. Mas não me deixavam levantar-me.” Foi depois pelo seu pé ao Hospital de São José receber tratamento. Tinha o olho negro e um hematoma na cabeça. Deram-lhe socos na cabeça, na cara e no peito, colocando junto ao corpo e ao crânio dele uma lista telefónica, para não deixar marca. “Por cima da lista telefónica, deram socos e pontapés.”

Filomeno fez queixa na polícia, numa outra esquadra, no Rossio. “Disseram-me que não valia a pena. Eu respondi que chamaria outro órgão policial", lembra. "E insisti: 'Não podem impedir-me de fazer queixa.'" Então fê-la. “Eu falava e o polícia escrevia o que eu dizia. No fim assinei.”

Polícias eram únicas testemunhas

“Eram chefes da polícia”, recorda, “mas de pouco valeu.” Os papéis do hospital não serviram de prova. “Sem testemunhas, é difícil ter provas.” As únicas testemunhas eram os próprios agentes da esquadra. “Os chefes estão sempre a abafar aquilo que os agentes fazem”, lamenta Filomeno. Mas são só alguns, insiste, pois conhece muitos polícias e até tem amigos polícias “que respeitam e aplicam as leis”, “fazem o seu trabalho” e “sabem lidar com as pessoas”.

Depois de fazer a queixa, foi chamado ao Conselho da Deontologia e da Disciplina da PSP. Mas nada aconteceu. “Um dia serei eu a fazer justiça, para que não volte a acontecer com mais ninguém”, diz com mágoa. “Muitas pessoas são agredidas e eu agora ando sempre com uma câmara para o caso de acontecer alguma coisa eu poder filmar."

O caso chegou ao Ministério Público. A agressão ocorreu dentro do carro e dentro da esquadra. Não havia testemunhas. Era difícil fazer prova. E o processo foi arquivado.

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