Irão: “acordo com maior legitimidade internacional” está ameaçado

A eleição de Trump e a atitude do Irão poderão ter efeitos neste documento que entrou em vigor há um ano. As presidenciais iranianas estão a ser vistas como um referendo ao acordo. A questão é, a que acordo, se os EUA o tentarem alterar.

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O Presidente iraniano, Hassan Rouhani Reuters

Teve anos e anos de avanços e recuos, formatos negociais, pontos de partida, e sempre foi visto com desconfiança pelos próprios signatários ou por partes do público nos países envolvidos. O acordo sobre o nuclear do Irão, firmado pelo EUA, União Europeia e Irão, faz um ano. E está ameaçado.

O Presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, que toma posse na sexta-feira, não falou muito sobre política externa durante a campanha eleitoral. Mas disse várias vezes que queria acabar com o acordo com o Irão. Depois de saber que tinha sido eleito, falou sobre o assunto uma vez, na sequência de uma discussão sobre Israel e as Nações Unidas, classificando o acordo como “horrível”.

Quando se sabe muito pouco sobre a estratégia da Administração Trump na arena internacional, as escolhas dos futuros responsáveis não auguram nada de bom para o futuro deste acordo: vários responsáveis em posições-chave têm tido posições públicas de oposição ao que ficou no papel.

Mesmo que, aparentemente, não conheçam bem o documento: o nomeado para secretário de Estado de Trump, Rex Tillerson, disse na audiência no Senado para a sua confirmação que o Irão pode neste momento comprar uma arma nuclear o que não é verdade, porque segundo o acordo o país não pode “adquirir” uma arma nuclear o que inclui a sua compra. Mais, Tillerson disse que o Irão não deveria poder enriquecer urânio um ponto de partida que levou a um impasse durante anos, com Teerão a continuar a trabalhar no seu programa nuclear enquanto os EUA insistiam no não-enriquecimento.

O Irão mantém que o seu programa tem fins civis, e a comunidade internacional preocupa-se com o enriquecimento, que se for feito a um nível baixo permite obter energia nuclear (para fins civis) e num maior grau permite obter matéria para armas atómicas.

Os defensores do acordo argumentam que com as restrições prometidas por Teerão, o Irão demoraria vários meses até um ano a construir uma bomba, se assim o decidisse.

Os críticos dizem que com o acordo o Irão continua a ter um programa nuclear e aumenta a sua intervenção fora de fronteiras, por exemplo na Síria, onde luta ao lado do regime de Bashar al-Assad, ou no Iémen.

O senador republicano Bob Corker mencionou outra solução para o acordo na óptica de alguém que discorda dele. “Vamos começar a aplicá-lo de modo radical”, defendeu Corker, citando as infracções cometidas pelo lado iraniano, como um ligeiro excesso no stock de águas pesadas acumulado no ano passado em relação ao acordado, e os testes de mísseis não cobertos pelo acordo mas alvo de uma outra resolução da o Conselho de Segurança. “Se os iranianos se enforcarem [não cumprirem] e se o Conselho de Segurança da ONU for implacável na implementação do acordo, isso seriam razões para os EUA já não fazerem parte do pacto.”

Temendo as acções da nova Administração, um grupo de cientistas, entre eles Richard L. Garwin, o homem que construiu a primeira bomba de hidrogénio, pediu a Donald Trump que mantivesse o acordo com o Irão.

Do lado iraniano, há também ambivalência e imprevisibilidade.

O acordo foi aceite com relutância pelo Ayatollah Khamenei, o líder de facto do país, depois de ser defendido pelo Presidente  reformista Hassan Rouhani.

O acordo parece ter popularidade no país. Embora o levantamento das sanções a que o Irão estava sujeito por causa do nuclear não tenha dado o mote a um crescimento económico tão grande como esperado, há sinais de que muitos iranianos o apoiam. No ano passado, por exemplo, os candidatos às legislativas que o apoiaram tiveram bons resultados nas eleições, sublinha o diário norte-americano New York Times.

A morte do importante reformista Akbar Hashemi Ransanjani, antigo Presidente que era considerado dos poucos com “gravitas” para desafiar Khamenei, deixa também o Presidente Rouhani mais fragilizado numa altura em que se prepara para disputar eleições. E as presidenciais deste ano estão a ser vistas como um referendo ao acordo. A questão é, a que acordo, se os EUA o tentarem alterar.

 

No Irão, a eleição de Trump não foi vista com grande preocupação. Diz o diário britânico The Guardian que há no país a ideia de que é melhor negociar com os republicanos do que com os democratas porque estes últimos “cortam a tua cabeça com algodão”, uma expressão persa que significa matar alguém com suavidade. E Trump tem elogiado Vladimir Putin com a Rússia aliada do Irão, isso poderia ser vantajoso, pensam alguns no país.

Por fim, o acordo não se resume ao Irão e aos EUA: inclui entre os signatários a União Europeia, a China e a Rússia e está consagrado numa resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas. “Tem tanta legitimidade internacional quanto é possível”, comentou Cornelius Adebahr, do centro de estudos Carnegie Europe. “O acordo, mesmo imperfeito, ainda é a melhor solução para a ameaça que as actividades nucleares clandestinas do Irão colocam tanto à não proliferação como aos vizinhos como Israel.”

Os europeus vão pressionar tanto Teerão quando Washington para manterem o acordo porque, conclui Adebahr, “não conseguem viver se não num mundo multilateral, baseado em regras”.

Já o comportamento doss EUA e o Irão vão ser incógnitas, e como posições duras de um lado tendem a favorecer o mesmo do outro, os sinais de ambos não são os mais favoráveis para o futuro do acordo. Mais: o nuclear até pode nem ser o primeiro ponto de fricção entre os dois países. A revista New Yorker diz que há seis americanos e dois detentores de “green cards” (vistos de trabalho) presos ou desaparecidos na República Islâmica. Assim, pode haver outra crise com estes presos, uma acção no Senado para novas sanções ao Irão, ou um extremar de alguma tensão entre a marinha americana e os Guardas da Revolução no Golfo Pérsico. “Obama tem tido paciência estratégica com o Irão”, comenta a New Yorker. “Trump pode ter um pavio mais curto.”

 

 

 

 

 

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