Regulamentos obrigam bolseiros a assegurar trabalho docente sem vencimento

Há 176 professores a trabalhar gratuitamente no ensino superior. Sindicatos e universidades não se entendem quanto à legalidade da prática.

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Universidades: dezenas de professores dão aulas sem receber salário Martin Henrik

Bolseiros de doutoramento e pós-doutoramento a darem aulas gratuitamente no ensino superior é uma prática “generalizada”, segundo a Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC). Vários regulamentos internos das instituições, segundo a associação, exigem aos investigadores que assegurem aulas sem receberem mais por isso. Ao todo, há 176 professores a trabalhar gratuitamente no sector, revelou esta quarta-feira o Jornal de Notícias.

São vários os exemplos desta prática assumida sem subterfúgios pelas instituições de ensino superior. Um bolseiro que se candidate a um pós-doutoramento no Centro de Estudos de Geografia da Universidade de Lisboa tem que entregar uma declaração indicando que se “compromete a leccionar o equivalente a duas horas” de aulas. Também na Universidade de Lisboa, as Bolsas de Apoio a Doutoramento (no valor da propina anual) exigem aos estudantes assegurar “até ao máximo de três horas por semana”.

Esta quarta-feira, o Jornal de Notícias apresentava também o caso da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa onde há 39 “cadeiras” asseguradas por professores nas mesmas condições. A prática é de tal forma assumida que a ABIC “já nem recebe denúncias, como até há uns cinco ou seis anos”, avança a dirigente Sandra Pereira. O Estatuto do Bolseiro de Investigação prevê a possibilidade de quem está a fazer doutoramento ou pós-doutoramento com uma bolsa dar aulas num máximo de três horas semanais, como forma de complemento da sua formação, no pressuposto de que actividade lectiva seria paga. “Apesar de haver universidades que cumprem com essa obrigação, a prática mais corrente é que o trabalho seja gratuito”, acrescenta Pereira.

Voluntários?

Os bolseiros de doutoramento e pós-doutoramento e outros investigadores com vínculos de cientistas às instituições de ensino superior são uma parte substancial dos 176 professores voluntários que davam aulas no sector em 2014, de acordo com os dados da Direção-Geral do Ensino Superior. Todavia, é impossível distinguir quais os tipos de vínculos que estão contidos neste número global. Além dos bolseiros, há também profissionais especializados que são convidados para palestras ou aulas pontuais e docentes aposentados que não cobram o trabalho feito nas universidades. E também casos de professores a quem é pedido trabalho voluntário durante um ou dois anos lectivos, alimentando a expectativa de que haja posteriormente um vencimento pelas suas funções.

O presidente do Conselho e Reitores das Universidades Portuguesas, António Cunha, garantiu à agência Lusa que a contratação de professores a custo zero é uma "situação pontual e que está prevista na lei”. Também a Universidade do Porto (UP), que segundo o Jornal de Notícias tem 40 dos 176 professores “voluntários”, garante a legalidade da situação.

A UP baseia esta informação no artigo 32-A do Estatuto da Carreira Docente Universitário. Só que esse artigo determina que os contratados de forma voluntária têm que pertencer já aos quadros de outras instituições nacionais ou internacionais, tendo por base um protocolo entre instituições. “Não é o que acontece em nenhum dos outros casos que recolhemos”, garante o presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior, Gonçalo Velho. Aquele dirigente não tem dúvidas da “ilegalidade” na forma como as universidades vêm recorrendo à figura do professor voluntário. 

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