Parlamento aprova calendário do Governo para o arranque do "Brexit"

Theresa May aceitou divulgar o plano do executivo antes de iniciar negociações com Bruxelas e, em troca, obteve aval dos deputados para invocar artigo 50 até ao final de Março.

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Nada na moção aprovada obriga o executivo a ser mais explícito do que tem sido até agora Daniel Leal-Olivas/AFP

Os deputados queriam que Theresa May se comprometesse a explicar um pouco dos seus planos para a saída do Reino Unido da União Europeia antes do início das negociações com Bruxelas, mas em troca de uma cedência que até agora tinha recusado, a primeira-ministra britânica acabou por conseguir que o Parlamento aprovasse uma moção em que aceita o calendário definido pelo Governo para o arranque do “Brexit”.

A moção foi aprovada quando decorrem as audiências no Supremo Tribunal britânico sobre quem recai o poder de accionar o artigo 50 do Tratado de Lisboa, a cláusula que desencadeia o processo formal de divórcio. Inconformado com a decisão do Tribunal Superior britânico, que no mês passado concluiu que só o Parlamento tem poder para revogar a lei que em 1972 abriu caminho à adesão do país à então CEE, o Governo recorreu da decisão e insiste que vai accionar o artigo 50 até ao final de Março, tal como May já se comprometeu.

Mas quase seis meses depois do referendo que ditou a saída britânica, quase nada se sabe sobre quais as prioridades de Londres para as negociações com a UE – a primeira-ministra definiu apenas como inegociável a necessidade de controlar a imigração para o país, alarmando os sectores da economia que temem perder o acesso ao mercado único (que tem na liberdade de circulação de pessoas é um dos seus pilares).

Neste impasse, o Partido Trabalhista apresentou uma moção em que exigia à primeira-ministra que se “comprometesse a publicar o plano do Governo para a saída da UE antes de o artigo 50 ser accionado”, a fim de poder ser “devidamente escrutinado” pelos deputados. Uma iniciativa que, mais do que clarificação, visava garantir que o Parlamento tem uma palavra a dizer antes do início das negociações.

May insistiu sempre que não revelaria demasiado sobre as suas pretensões, argumentando que isso iria retirar vantagem aos negociadores britânicos quando finalmente se sentarem à mesa com os congéneres europeus. Mas confrontada com as notícias de que pelo menos 20 deputados conservadores apoiavam a iniciativa da oposição –  o suficiente para aprová-la –, a líder conservadora virou o jogo: anunciou o apoio ao diploma, na condição de que fosse também votada uma adenda que exorta o Parlamento “a respeitar o desejo” dos eleitores e a aceitar que “o Governo invoque o artigo 50 até 21 de Março de 2017”.

Tanto o Governo como a oposição cantaram vitória, mas depressa se percebeu que a cedência maior tinha sido do Labour, tanto mais que nada na formulação votada nada obriga o executivo a ser mais explícito do que tem sido até agora. “Isto é uma negociação, não é uma declaração política. Por isso, aquilo que propomos no início pode não ser aquilo que alcançamos no fim”, afirmou David Davis, ministro para o “Brexit”, no debate que antecedeu a votação. O responsável comprometeu-se apenas a apresentar, antes de Março, uma “declaração sobre a estratégia negocial e os objectivos” do Governo e remeteu uma votação no Parlamento para quando houver um acordo final com a UE.

Keir Starmer, porta-voz do Labour para o “Brexit”, avisou que o partido não se contentará com planos vagos e exige saber, em tempo útil, se o executivo se vai bater por manter o acesso ao mercado único ou se planeia propor um acordo transitório com a UE, para vigorar após a saída e até à conclusão de um novo acordo comercial. O Parlamento, sublinhou, “tem direito a conhecer os detalhes” do que está a ser preparado. Mas a margem de manobra da oposição é escassa, sob pena de ser vista pela opinião pública como estando a bloquear o mandato popular saído do referendo de Junho. Um risco que Davis fez questão de lembrar, dirigindo-se aos deputados trabalhistas e liberais-democratas que votaram contra a moção: “Veremos hoje aqui quem apoia o Governo na concretização da decisão que foi tomada pelos eleitores britânicos”. 

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