83 mil utentes escolheram outro hospital para ser tratados

Desde Junho, altura em que entraram em vigor as regras da liberdade de escolha, mais de 10% dos utentes escolheram outros hospitais para consultas de especialidade. Porém, já há hospitais a alertarem que estão no limite da capacidade.

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A oftalmologia é das especialidades em que os doentes mais têm ido a outros hospitais Daniel Rocha

Desde Junho, um em cada dez portugueses já aproveitou a possibilidade de escolher o hospital onde quer ser tratado. No total, isto significa que foram 83.184 os utentes a optarem por uma unidade hospitalar diferente daquela onde deveriam ser atendidos se a morada fosse o único factor a ter em consideração. Quase sempre, os doentes escolheram outros hospitais para conseguirem ter mais rapidamente uma consulta com um especialista, sobretudo em áreas saturadas como a oftalmologia a dermatologia e a otorrinolaringologia. Esta liberdade de escolha está a facilitar o acesso das pessoas a cuidados em tempo útil, mas alguns hospitais estão a ficar saturados, alertam os administradores hospitalares.

De acordo com os dados enviados ao PÚBLICO pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), desde o dia 1 de Junho e, “até 22 de Novembro de 2016, 10,1% dos utentes a nível nacional optaram por hospitais fora da rede de referenciação”. Foi a partir desta data que os doentes, em articulação com os médicos de família, puderam passar a escolher o hospital do Serviço Nacional de Saúde (SNS) em que querem ser tratados – independentemente de onde vivem. No topo das preferências surge o Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto, que atendeu nas consultas de especialidade um total de 37,5% de pessoas que não pertencem à rede desta unidade. O instituto dedica-se apenas à área da oftalmologia.

O segundo hospital do país que recebeu mais doentes de outras zonas foi o Centro Hospitalar Lisboa Norte, que abrange os hospitais de Santa Maria e Pulido Valente. Os dados da ACSS indicam que 37,3% dos doentes que foram a primeiras consultas de especialidade neste centro hospitalar pertenciam a outras zonas.

Em terceiro lugar, com 30,6%, surge o Centro Hospitalar de Lisboa Central (hospitais de S. José, Curry Cabral, Capuchos, Santa Marta, Estefânia e Maternidade Alfredo da Costa) e em quarto lugar o Centro Hospitalar do Porto (Hospital de Santo António e Centro Materno-Infantil do Norte, com 27,8%. Na tabela dos cinco mais escolhidos aparece ainda o Centro Hospitalar de São João, com 22,9%. Quanto à origem das pessoas, em 28,2% dos casos os doentes pertenciam a centros de saúde da zona da Amadora, seguindo-se a zona de Sintra, Oeste Sul (que abrange concelhos como Torres Vedras ou Mafra), Grande Porto (nomeadamente Gondomar) e Tâmega.

“Estamos esticados ao limite”

“O que este programa veio fazer foi garantir um acesso melhor para os utentes. Disso não há dúvidas. Mas este alargamento veio colocar-nos problemas, nomeadamente na redefinição da nossa capacidade de oferta”, sintetiza a presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar de Lisboa Central. Ana Escoval dá como exemplo a área da oftalmologia, onde tiveram um crescimento de 20%. Como muitos dos doentes são encaminhados para cirurgia, o centro começa a ficar saturado e com dificuldade em dar resposta atempada. “Não podemos deixar de lado a qualidade e se nós não tivermos recursos suficientes para responder à procura que estamos a ter obviamente que podemos fazer perigar a qualidade”, alerta.

As preocupações são corroboradas pelo presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar de São João. António Oliveira e Silva diz que este centro teve um crescimento de 20% nas primeiras consultas. “São 2000 novos doentes por mês. Não podem querer que faça mais 20% com o mesmo número de pessoas. Estamos esticados ao limite”, alerta, acrescentando que falta também saber como vão ser pagos por darem esta resposta.

O administrador avança que já fizeram um estudo para estimar as consequências desta procura. Na oftalmologia, por exemplo, como muitos dos doentes são encaminhados para cirurgias o São João corre o risco de ver a espera para as operações derrapar de 28 dias para 117. António Oliveira e Silva sublinha também que podem vir a existir “perversões”: se o São João não operar estes doentes dentro dos tempos previstos na lei tem de os encaminhar para outras unidades e pagar os tratamentos – com a factura de todas as áreas a poder ascender a 1,5 milhões de euros.

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