Sem Fidel será mais difícil a Trump travar a reaproximação EUA/Cuba

O líder da revolução nunca apoiou por inteiro o processo de diálogo entre Cuba e os EUA. Cabe a Trump continuar o trabalho iniciado por Obama. Vice-presidente eleito fala em “nova esperança”.

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Obama e Raúl Castro durante a visita do Presidente dos EUA a Havana, em Março Reuters/CARLOS BARRIA

No mesmo mês em que foi escolhido o sucessor de Barack Obama, o Presidente que reatou as relações diplomáticas entre os EUA e Cuba, morreu o líder histórico da revolução. Sem Fidel Castro e com Donald Trump na Casa Branca, que futuro existe para este processo?

Foi sempre Raúl Castro quem mais promoveu a reaproximação entre os dois países – uma história que também começou com uma morte. Foi no funeral de Nelson Mandela, em Dezembro de 2013, que Raúl e Obama trocaram cumprimentos, o primeiro sinal público de que, soube-se mais tarde, estavam em curso conversações secretas que viriam a dar início ao restabelecimento de relações entre os dois adversários da Guerra Fria.

Fidel Castro – formalmente fora do poder desde 2006, mas com uma influência incontestável – nunca escondeu a sua desconfiança em relação a este processo. Um mês depois do anúncio do início do diálogo, no final de 2014, Fidel publicava uma carta no Granma, o jornal oficial do Partido Comunista. “Não confio na política dos Estados Unidos nem troquei uma palavra com eles, mas isso não significa a recusa de uma solução pacífica para os conflitos ou os perigos da guerra.” Estava definida a sua posição de apoio relutante aos esforços diplomáticos do irmão.

No último ano foram dados passos, alguns pequenos e simbólicos, mas todos históricos – voltou a haver embaixadas nos dois países, Cuba deixou de constar na lista de países apoiantes de terrorismo, foram retomados os voos comerciais e Obama visitou a ilha. O objectivo último é terminar com o embargo comercial norte-americano, em vigor desde 1962. Escreve a Economist que “a partida de Fidel remove o maior obstáculo à mudança em Cuba”.

É esse o desejo de Obama e da maioria dos norte-americanos, apoiado por um forte consenso internacional. Mas, o lobby dos imigrantes cubanos nos EUA, sobretudo as gerações mais velhas, continua a defender uma abordagem mais dura para com o regime do qual fugiram. E Donald Trump, na reacção à morte de Fidel, fez questão de o referir, lembrando o apoio que lhe foi dado pela Associação de Veteranos da Brigada 2506, o grupo de dissidentes cubanos que participaram, em 1961, no episódio que ficou conhecido como a “Invasão da Baía dos Porcos”.

“Nova esperança”

Em Cuba, a eleição de Trump fez pairar um clima de incerteza, levando o Governo a anunciar no próprio dia exercícios militares. Um dos sinais dados pelo Presidente eleito foi a nomeação de Mauricio Claver-Carone, director-executivo de um dos principais grupos de interesse que defendem a manutenção do embargo, para a equipa de transição responsável pelas nomeações no Departamento do Tesouro – o braço do executivo que aplica sanções económicas.

Como em vários outros temas, é difícil discernir qual a posição de Trump em relação a Cuba, para além de que uma das suas empresas terá violado o embargo no final dos anos 1990. Durante parte da campanha, o magnata mostrou sinais de apoiar os esforços para reatar os laços diplomáticos, apesar de criticar o acordo como “muito fraco”. Mas durante um comício em Miami, em Setembro, Trump disse que pretende cancelar as ordens executivas assinadas por Obama, “caso o regime de Castro não cumpra” as exigências norte-americanas.

Este sábado, Trump escolheu palavras muito duras para com Fidel, que apelidou de “ditador brutal”, mas deixou uma garantia: “Apesar de as tragédias, mortes e dor causadas por Fidel Castro não poderem ser apagadas, a nossa Administração irá fazer os possíveis para que o povo cubano possa finalmente começar a sua viagem rumo à prosperidade e liberdade.” O vice-presidente eleito, Mike Pence – chamou "tirano" a Fidel –, foi mais longe e disse que esta morte representa o “amanhecer de uma nova esperança”.

Cuba esteve longe de dominar a agenda de política externa de Donald Trump, ao contrário da guerra da Síria ou das relações com a Rússia. As políticas do próximo Presidente serão “mais reactivas do que proactivas” em relação a este dossier, previa, em declarações ao site The Hill, o director Conselho Económico e Comercial EUA-Cuba, John Kavulich. “Se Cuba conseguir manter-se discreta e não fizer declarações provocatórias ou tomar alguma acção hostil, pode ser que não haja uma reacção”, afirmou.

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