PS quer tirar atribuições ao supervisor dos combustíveis criado por Passos Coelho

O PS quer tirar competências à ENMC, o PCP quer extingui-la. O supervisor diz-se “perplexo” e lembra que, neste cenário, há um empréstimo de 360 milhões que o Estado terá de pagar

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Paulo Carmona está à frente da ENMC desde 2013 Daniel Rocha

O sinal de que algo estava para mudar surgiu na proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2017, onde se prevê a transferência da regulação do gás de botija para o regulador dos serviços energéticos, a ERSE, retirando a supervisão do sector à Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis (ENMC). Porém, com a entrega das propostas de alteração ao OE, na sexta-feira, ficou claro que o objectivo do PS é mesmo esvaziar este supervisor, criado no Governo de Passos Coelho, de quase todas as competências. É que os socialistas também querem os combustíveis fósseis e os biocombustíveis sob alçada da ERSE, retirando à ENMC a sua fiscalização e monitorização.

“A ENMC tem competências na área dos combustíveis que nos parecem despropositadas e que não achamos razoáveis que estejam fora da ERSE”, disse ao PÚBLICO o deputado socialista Luís Moreira Testa. A do PS é apenas uma de duas propostas que visam directamente a ENMC, há outra, do PCP, que é mais radical: pretende extingui-la. “Nada justifica a não integração de todas as actividades de regulação pública dos diversos sectores energéticos”, como a electricidade, gás natural e combustíveis fósseis “numa única entidade” (a ERSE), dizem os comunistas.

O PCP queixa-se que a ENMC (que publica os preços de referência para os combustíveis e gás engarrafado, que responde a reclamações de utentes e aos pedidos de licenciamento, e audita a qualidade dos combustíveis, entre outras atribuições) é “uma estrutura híbrida que acumula evidentes funções de regulação” com outras de administração pública. Para extingui-la, os comunistas propõem ainda que as actividades relacionadas com a prospecção e exploração de petróleo, bem como a gestão das reservas petrolíferas estratégicas, passem para a Direcção-geral de Energia e Geologia (DGEG).

O PÚBLICO pediu um comentário sobre estas propostas ao secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, mas não recebeu resposta.

Já o presidente da ENMC, Paulo Carmona, reconheceu ter ficado “perplexo” com as alterações que vão ser votadas sexta-feira no Parlamento. No caso da proposta do PCP, atribuiu-a mesmo a “pouca informação” e adiantou que um cenário de extinção até viria “agravar os custos de financiamento da República”. É que a ENMC, segundo disse Paulo Carmona, tem um contrato obrigacionista de 360 milhões, com vencimento em 2020, e que foi constituído em 2008, para comprar reservas petrolíferas. “Se amanhã a ENMC fosse extinta, o Estado, como garante, teria de se substituir às entidades internacionais que são tomadoras do empréstimo”, o Dexia e o Debfa. Para pagar a dívida o Estado teria de se financiar, “de certeza que a uma taxa bastante superior ao que pagamos agora", afirmou.

Além disso, Carmona assegurou que a entidade central de armazenagem (ECA) prevista na lei europeia para gerir as reservas petrolíferas não pode ser uma entidade da administração pública, como a DGEG, “tem de ser uma entidade autónoma” (a ENMC é uma entidade pública empresarial).

Visão diferente tem Bruno Dias, do PCP. O que a lei europeia diz é que esta ECA tem de ser “um organismo ou serviço que funcione sem fins lucrativos no interesse geral”, o que é o caso da DGEG, defendeu o deputado comunista.

A extinção da ENMC é “uma ideia que poderá ser analisada no futuro”, mas para já não está na agenda, afirmou o socialista Carlos Pereira, frisando que a prioridade “é que todas as áreas da energia fiquem concentradas na ERSE”. Assumindo que o PS fará passar esta sua proposta, a ENMC, que nasceu da reestruturação da antiga EGREP, que geria as reservas de petróleo, regressará a esta configuração, acumulando eventualmente as atribuições relativas à exploração dos recursos petrolíferos (a proposta do PS nada menciona sobre o tema).

Lembrando que a ENMC está prestes a lançar a aplicação (prevista no programa Simplex) que vai concentrar “tudo o que é importante a nível de comunicação entre a administração e os operadores do sector e os utentes” do sistema petrolífero nacional, Paulo Carmona frisou que a proposta do PS “vem desconstruir aquilo que o Governo tem andado a fazer” no sector. O responsável recordou que ainda este mês o executivo publicou um diploma sobre biocombustíveis que veio “reforçar o papel da ENMC como supervisor do sector” o que torna “ainda mais estranha” a proposta socialista, incluída na discussão do OE “meio às escondidas”.

 

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