Trabalhadores chineses ganham pouco mais de metade e espanhóis mais do dobro

Relatório Estatístico Anual 2016, apresentado nesta sexta-feira, em Lisboa, analisa vários indicadores, incluindo diferenças na remuneração atribuída aos trabalhadores por conta de outrem.

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Salários: em 2013 os paquistaneses recebiam menos 41%, os chineses menos 39,7%, os indianos menos 37%, os guineenses e os são-tomenses menos 36% Pedro Cunha

Sabia que os trabalhadores estrangeiros ganham menos do que a generalidade dos trabalhadores em Portugal? A sua remuneração base é em média 8% mais baixa, refere o Relatório Estatístico Anual 2016 – Indicadores de integração de imigrantes, apresentado nesta sexta-feira de manhã, em Lisboa. Só que um mundo inteiro pode separar os trabalhadores comunitários, propensos a ganhar muito mais, dos extra comunitários, que tendem a ganhar muito menos.

A remuneração base dos trabalhadores por conta de outrem alcançou uma média de 912 euros em 2013. A liderar a lista de trabalhadores com remunerações mais altas estavam espanhóis, holandeses e italianos, que recebiam mais do dobro (126%, 125% ou 124%) do que o total de trabalhadores registados nos quadros de pessoal. No extremo oposto, os paquistaneses (menos 41%), os chineses (menos 39,7%), os indianos (menos 37%), os guineenses e os são-tomenses (menos 36%).

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É comum por esse mundo fora trabalhadores estrangeiros ganharem menos, explica Jorge Malheiros, do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa. Não só pelo nível de escolaridade ou a fluência da língua. Por serem mais jovens e mais precários. E por se concentrarem em poucos sectores de actividade.

“Continuam a estar associados aos empregos que os trabalhadores nacionais não querem fazer – essencialmente os trabalhos mais exigentes, mais arriscados, mais mal pagos e mais precários –, mesmo que esses trabalhos não traduzam necessariamente os seus níveis de qualificações”, resume em resposta por email Catarina Reis de Oliveira, coordenadora do relatório.

As autoras do documento admitem a dificuldade de avaliar a integração dos imigrantes. Primeiro, qualquer estatística inclui cidadãos com nacionalidade estrangeira que já nasceram em Portugal e exclui estrangeiros que adquiriram nacionalidade portuguesa. Depois, o processo de integração abarca diferentes dimensões, umas mais fáceis de medir, outras mais difíceis.

O relatório, publicado pelo Observatório das Migrações, uma estrutura que faz parte do Alto Comissariado para as Migrações, sintetiza as tendências observadas em 2013 e 2014 em matéria de demografia, educação, aprendizagem da língua, trabalho, segurança social, acesso à nacionalidade, recenseamento eleitoral, sistema de justiça, discriminação e envio de remessas.

Não falta uma explicação para as diferenças na remuneração atribuída aos trabalhadores: declara-se que “não são alheias às formas de incorporação no mercado de trabalho e aos grupos profissionais em que os estrangeiros se inserem”. Se “a comparação for feita em função dos grupos profissionais, os trabalhadores estrangeiros apresentam remunerações mais altas nos grupos de topo e remunerações mais baixas nos restantes grupos profissionais”.

Para perceber o que isto significa, talvez ajude recordar que os trabalhadores agrupam-se em nove grupos profissionais. Na base da pirâmide, ficam os trabalhadores da indústria, construção e artífices (grupo 7), os operadores de instalações, máquinas e montagem (grupo 8) e os trabalhadores não qualificados (grupo 9). "Desde a década de 1990 que os trabalhadores estrangeiros têm estado sobre-representados nesses três grupos”, explica Catarina Reis de Oliveira. Nos últimos anos, a sua importância relativa tem diminuído aí. Em 2014, porém, 52% dos estrangeiros que trabalhavam por conta de outrem ainda pertenciam a esses três grupos.

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Aquela é a realidade laboral mais característica dos estrangeiros mais numerosas em Portugal – brasileiros, cabo-verdianos, ucranianos, romenos, chineses, angolanos, guineenses. Não é a realidade de espanhóis, holandeses, italianos, britânicos, alemães ou norte-americanos.

“Os trabalhadores que as empresas vão buscar a outros países da Europa Ocidental ou à América do Norte são qualificados ou altamente qualificados”, explica Jorge Malheiros. “Não aceitariam ganhar menos do que nos seus países de origem”, enfatiza. Em 2014, auferiam um salário-base de 1918 a 2064 euros. Paquistaneses, chineses, indianos e guineenses ganhavam um salário-base de 536 a 568 euros. “A sua expectativa é ganhar mais do que nos países de origem, onde o salário médio é mais baixo”, torna Malheiros. Os trabalhadores portugueses ficam abaixo dos primeiros e acima dos segundos, porque o seu universo é muitíssimo maior e bem mais diverso.

“Contributos” da população estrangeira

Portugal está demasiado envelhecido. É ponto assente que só por via da migração pode crescer. “Continua bastante aquém da globalidade dos países da União Europeia no volume de imigrantes que recebe (quatro em cada 100, quando a média europeia corresponde a sete em cada 100)”, nota Catarina Reis de Oliveira. “No início de 2014, ocupava o vigésimo lugar entre os 28 países do espaço europeu, em função da importância relativa de estrangeiros por total da população residente.”

A investigadora destaca vários “contributos” da população estrangeira: “Contribuem para o aumento de efectivos em idade activa; contribuem para o incremento de nascimentos (em 2014 as estrangeiras foram responsáveis por cerca de 9% do total dos nados-vivos de mães residentes em Portugal); contribuem para a sustentabilidade do sistema de Segurança Social.”

O saldo do sistema de Segurança Social é “bastante positivo”. Mesmo em anos de crise financeira e “económica (com um aumento de estrangeiros beneficiários de prestações de desemprego, como contrapartida das suas contribuições passadas), continua a ser muito positivo (mais 309,2 milhões de euros em 2014)”, refere.

A investigadora menciona também o papel que os estrangeiros desempenham como empregadores, isto é, como criadores de postos de trabalho. “A taxa de variação de empregadores estrangeiros nos últimos anos foi de mais 3,8%, quando nos portugueses foi de menos 0,2%”, especifica.

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O perfil dos estrangeiros está a mudar. Até meados da década passada, a maior parte vinha exercer uma actividade subordinada. Nos últimos anos, até pelo estado da economia nacional, os fluxos de entrada têm estado mais associados ao estudo e ao reagrupamento familiar. É, interpreta Jorge Malheiros, um reflexo da estratégia adoptada pelo país, mais focada em atrair “consumidores” do que trabalhadores.  

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