Uma transição pacífica na Casa Branca antes da tempestade de mudanças

Donald Trump visitou cordialmente Obama e Paul Ryan, em dois encontros impensáveis há três dias. Imigração, saúde, emprego e descida de impostos são as prioridades assumidas pelo Presidente eleito.

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O encontro entre Trump e Obama durou uma hora e meia Reuters/KEVIN LAMARQUE
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Trump com Paul Ryan Reuters/JOSHUA ROBERTS
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Protestos contra o Presidente eleito Reuters/BRENDAN MCDERMID

O futuro fica para os astrólogos e para o que vai na cabeça de Donald Trump, mas as primeiras horas depois de uma campanha brutal e de umas eleições que surpreenderam meio mundo estão a seguir à regra um argumento tantas vezes repetido nas últimas décadas, com sinais de que pelo menos a transição de poder vai ser mais pacífica do que muitos esperavam. E até as feridas no Partido Republicano parecem estar a sarar à velocidade de um super-herói da Marvel: as prioridades da próxima Administração vão avançar “rapidamente”, com o apoio da maioria no Congresso, e incluem a imigração, a saúde, o emprego e os impostos.

Depois de um discurso de aceitação em linha com o que se espera de um Presidente eleito tradicional, Donald Trump teve nesta quinta-feira um encontro longo e "excelente" com Barack Obama, e depois contemplou a cidade de Washington ao lado de Paul Ryan, líder da Câmara dos Representantes e um dos seus maiores rivais no interior do Partido Republicano durante a campanha.

Seguir os encontros de Trump com Obama e Ryan pelos olhos dos jornalistas da CNN e da MSNBC foi como espreitar uma audiência espantada e quase sem palavras no fim de um filme que deixa toda a gente a coçar a cabeça.

Ainda há poucos dias Trump e Obama trocavam acusações cheias de veneno que pareciam destinadas a um caminho sem regresso e agora estavam ali, na Casa Branca, a trocar elogios e votos de felicidade como se o passado pudesse ser enterrado assim, de um momento para o outro? E quando o ainda candidato Trump chamou a Paul Ryan um líder fraco, incapaz e desleal há apenas um mês, alguém esperava que os dois subissem à varanda do gabinete do presidente da Câmara dos Representantes para verem como é linda a capital dos Estados Unidos?

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Trump com Paul Ryan Reuters

A primeira reunião entre o actual Presidente e o seu sucessor estendeu-se por uma hora e meia e houve oportunidade para falar sobre tudo. No final, as curtas declarações de ambos foram mais do que cordiais: “Falámos sobre várias situações, algumas magníficas e outras difíceis. Aguardo com muita satisfação trabalhar com o Presidente no futuro, incluindo ouvir os seus conselhos”, disse Trump.

O ainda Presidente disse que o seu principal objectivo é facilitar a passagem de testemunho, uma exigência para quem sai e que umas vezes corre melhor do que outras – se a saída de Bill Clinton e a entrada de George W. Bush foi mais complicada, com alguns elementos da equipa de Clinton a arrancarem a letra “W” dos computadores e a destruírem material no valor de milhares de dólares, a troca de cadeiras entre Bush e Obama foi elogiada várias vezes pelo actual Presidente. E é esse o exemplo que Obama quer seguir, ainda que esteja a fazê-lo com um Presidente eleito que deu corpo a uma teoria da conspiração sobre o país em que ele nasceu.

“Fiquei muito estimulado com o interesse da equipa do Presidente eleito Trump em trabalhar comigo sobre muitos dos problemas que este grande país enfrenta, e acredito que é importante trabalharmos em conjunto, independentemente dos nossos partidos”, disse Obama, terminando com mais uma mensagem pacificadora: “Vamos fazer tudo para o ajudar a ter sucesso, porque se você for bem-sucedido, o país ganha com isso.”

Numa curta troca de palavras que pareceria surreal há apenas três dias, Trump disse que saiu da reunião com “um grande respeito” por Obama, e depois, já com as câmaras de televisão a sair da sala, o Presidente eleito repetiu várias vezes perante os jornalistas que Obama é “um homem muito bom”.

Incentivo à paz entre republicanos

Depois de receber uma primeira aula sobre o que o espera como Presidente do país mais poderoso do mundo, Trump foi ter com a sua maior pedra no sapato –  bem maior do que Obama, que depois de sair da Casa Branca ficará fora deste filme.

No luxuoso gabinete do líder da Câmara dos Representantes no edifício do Congresso, Trump foi levado pela mão até à varanda por Paul Ryan, que lhe mostrou uma vista diferente da Pennsylvania Avenue, a artéria que liga o Capitólio à Casa Branca. Mesmo por baixo da varanda, Trump pôde ver os preparativos para a construção do palanque em que vai jurar fidelidade à Constituição e tornar-se, finalmente, Presidente dos Estados Unidos da América, no dia 20 de Janeiro.

Ryan é uma figura crucial para que a Administração Trump possa pôr em prática algumas das suas promessas, já que é ele quem lidera a maioria republicana na Câmara dos Representantes, onde se discutem e aprovam as leis. O problema é que Trump entrou aos pontapés no Partido Republicano, desafiando os principais líderes do partido, que vê como cúmplices do “pântano” em Washington – e não há ninguém no Partido Republicano mais poderoso do que Paul Ryan; por inerência, é o segundo na sucessão do Presidente a seguir ao vice-presidente, seja de que partido eles forem.

“Eles agora têm um forte incentivo para fazerem as pazes e surgirem como uma frente unida. Precisam um do outro”, disse ao PÚBLICO o analista Christopher Foreman, da Brookings Institution. “Trump é um recém-chegado a Washington e Ryan precisa da energia popular e do poder presidencial que Trump tem agora para oferecer.”

Apesar da conversa de campanha contra o establishment, a verdade é que “Trump e os republicanos no Congresso têm muito em comum”, afirma o mesmo especialista. “Concordam em acabar com o Obamacare, reduzir os impostos, construir um muro na fronteira Sul do país, ou melhor, uma versão maior do que já existe.”

Como conservador tradicional, Ryan criticou várias declarações e propostas de Trump durante a campanha –  esperou um mês para lhe dar o apoio como nomeado do seu próprio partido; acusou-o de racismo quando Trump disse que o juiz Gonzalo Curiel, nascido no estado do Indiana e filho de mexicanos, não podia julgar um processo contra a empresa com fins lucrativos chamada Universidade Trump; e censurou-o quando propôs a proibição de entrada no país a todos os muçulmanos.

Mas depois da eleição de terça-feira, e com uma maioria nas duas câmaras do Congresso, Ryan quer fazer as pazes o mais rapidamente possível para avançar parte do seu programa. Para isso, terá de fazer concessões ao programa de Trump, e foi isso que ambos parecem ter acordado na reunião desta quinta-feira. Mais uma vez, o que aconteceu na campanha ficou na campanha: “Estamos ansiosos por fazer algumas coisas espectaculares para o povo americano”, disse Trump no final do encontro.

Mas isto significa que está tudo bem na república dos Estados Unidos? Longe disso, basta ver os gritos dos milhares e milhares de pessoas que se manifestaram nestes dois dias em várias cidades do país, eleitores que não se conformam com as promessas feitas por Trump, como a construção de um muro em toda a fronteira com o México, e as suas certezas de que o próximo Presidente é um ditador em formação, racista, sexista, anti-imigração e apostado em perseguir minorias.

São dois momentos distintos: este é o momento em que Obama quer fazer tudo para que a transição de poder seja digna, e em que Ryan quer aproveitar a vitória de Trump para engolir alguns sapos em troca da aprovação de parte das suas propostas.

Se Trump vai recuar em algumas promessas como o fim do tratado nuclear do Irão depois de ter ouvido as implicações dessa decisão da boca de Obama, ou se a conversa lhe entrou por um ouvido e saiu pelo outro, é algo que só os astrólogos podem dizer. Os astrólogos e o que vai na cabeça de Trump. Como diz Christopher Foreman, da Brookings Institution, “Trump até é capaz de tentar fazer acordos com os democratas e os independentes em detrimento dos republicanos para fechar um negócio, como ele diria. Ninguém deve apostar dinheiro em previsões sobre o que Donald Trump vai fazer.”

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