Funicular da Graça revisto em nome da "compatibilidade" com a Cerca Fernandina

A Emel mantém a intenção de instalar o funicular mas isso está dependente de ser encontrar "uma solução que permita compatibilizar" a obra com o património.

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O troço da cerca é em taipa e tem 2,2 metros de largura Fábio Augusto
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Adossado à muralha está um alambor, em terra Fábio Augusto

O projecto de instalação de um funicular para unir a Graça à Mouraria vai ser revisto, para que seja assegurada a sua “compatibilidade” com o troço da Muralha Fernandina encontrado junto ao Miradouro Sophia de Mello Breyner Andresen. Este património, assegura o presidente da Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (Emel), será objecto de “um tratamento exemplar”.

Essas garantias foram transmitidas ao PÚBLICO por Luís Natal Marques durante uma visita às escavações arqueológicas na passada sexta-feira, dia em que os trabalhos foram suspensos até que haja decisões sobre os passos seguintes a dar.

“Sabíamos que a muralha andava por aqui, mas não tínhamos a certeza se estaria mais para um lado ou para o outro”, diz o presidente da empresa, sublinhando que a planta da cidade de Lisboa de João Nunes Tinoco, de 1650, já colocava a Cerca Fernandina (construída entre 1373 e 1375) naquela área.

A abertura de uma trincheira arqueológica junto ao miradouro permitiu perceber qual era a localização exacta daquela estrutura militar. E também constatar que ela não era compatível com o projecto do funicular, pelo menos não nos termos em que ele tinha sido originalmente desenvolvido pelo arquitecto João Favila Menezes.

“Sabemos que há todo o interesse em que este património seja preservado, para que os lisboetas possam conhecer a sua história”, diz Luís Natal Marques. O responsável acrescenta que se se concluir que a muralha deve ficar visível (ao invés de voltar a ser enterrada) “será esse o empenhamento” da Emel.

Seja como for, o presidente da empresa reconhece que é necessário “adaptar” o projecto original, eventualmente introduzindo-lhe “algumas alterações” Por enquanto a empresa mantém a intenção de instalar um funicular entre o miradouro e a Rua dos Lagares, na Mouraria, estando no entanto essa intenção condicionada à capacidade de se encontrar “uma solução que permita compatibilizar” o meio mecânico com a Muralha Fernandina.

Ao PÚBLICO, o arqueólogo Rui Pinheiro explicou que o troço da cerca que foi encontrado é em taipa e tem 2,2 metros de largura, atingindo uma altura de quase dois metros. Este troço, acrescentou, está ligado a uma outra estrutura, sua contemporânea: “uma estrutura de tipo alambor, de terra e cal hidráulica”. Trata-se de uma rampa inclinada, criada na base da muralha, e na qual é também visível um vestígio do “caminho de ronda” ao longo do qual os militares fariam a vigia.

Uma estrutura semelhante a essa pode ser vista no Castelo de Tomar. Aí, como se explica no site da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), uma secção da muralha integra esse “elemento vincadamente românico e introduzido na arquitectura militar pelos Templários”, que tinha como propósito “dificultar os trabalhos de sapa e de mina”, “impedir a aproximação de torres de assalto” e “eliminar ângulos mortos na base das muralhas”.

Em Tomar, acrescenta a DGPC citando Mário Barroca (autor de “A Ordem do Templo e a arquitectura militar portuguesa do século XII”), «o alambor foi empregue “numa dimensão nunca mais vista entre nós”, circundando toda a muralha e determinando mesmo a inclinação das próprias seteiras».

Numa informação enviada à comunicação social sobre os achados na Graça, a DGPC refere que foi identificado um “troço da Muralha Fernandina, ao qual está adossado um expressivo alambor, cuja existência é inédita na cidade de Lisboa”. Esta entidade sublinha que se trata de “um vestígio pertencente a um imóvel classificado como Monumento Nacional” e adianta que está “a articular com a Câmara Municipal de Lisboa a salvaguarda do património arqueológico em presença face à acessibilidade projectada”.

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