Bastonário diz que morreu “um dos grandes príncipes da medicina portuguesa”

Reacções à morte de João Lobo Antunes. Miguel Esteves Cardoso lembra a sua "maneira brincalhona de estar com os doentes”.

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Lobo Antunes "fez uma escola" Sandra Ribeiro

O bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, diz que João Lobo Antunes “foi um dos grandes príncipes da medicina portuguesa”. “Foi alguém que desbravou caminhos na medicina, mas também na ética e literatura. Deixa um legado ímpar nestes três campos.”

Como membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, órgão a que Lobo Antunes presidia, o bastonário diz o neurocirurgião tinha “um enorme conhecimento, preparação, inteligência e bom senso”.

O anterior presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida Miguel Oliveira e Silva afirma que João Lobo Antunes deixa “um grande vazio no mundo intelectual, na medicina e na bioética”. O médico diz do neurocirurgião que foi “um trabalhador enorme, de uma inteligência superior” e que “não será possível ao CNEV arranjar um presidente como o João Lobo Antunes": "Vai ser um problema."

Numa nota à comunicação social, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, de que Lobo Antunes era presidente, destaca a “marca indelével” que deixará “na cultura portuguesa”, acrescentando que “deixa a todos uma enorme saudade também pelas suas qualidades pessoais, a sua generosidade e o seu afecto”.

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Marcelo sobre João Lobo Antunes: "Era uma figura ímpar"

O neurologista Alexandre Castro Caldas, que foi durante muitos anos colega de Lobo Antunes no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, afirma que “é uma figura ímpar que ultrapassa os limites da faculdade, uma figura nacional na forma como participou na vida nacional”. No hospital onde exerceu, “influenciou muitos cirurgiões": "Fez uma escola."

“É uma ausência brutal”. A expressão é de Guilherme Valente, editor e amigo de João Lobo Antunes. De quem diz o seguinte: “ No João Lobo Antunes não vi uma mácula de carácter, de solidariedade, de elegância. Era discreto. Era um príncipe. Até nos afectos era educado. Era de um afecto contido mas sentíamo-nos que tinha uma força enorme. Era um amigo sempre presente, exactamente quando era preciso. “

Sobre Lobo Antunes diz ainda o editor da Gradiva: “Era a raríssima pessoa que corresponde ao Portugal com que eu sonho, pela sua postura humana, profissional, cultural. Nenhum autor contemporâneo cultivava a escrita portuguesa com a qualidade com que ele o fez”.

Para o físico Carlos Fiolhais, João Lobo Antunes “era uma das mentes mais brilhantes da ciência nacional.”. “Pensava bem e expressava-se bem. Há pessoas que pensam bem mas não escrevem bem. Há outras que escrevem bem mas não pensam bem. Ele juntava as duas, de um modo único”, disse ao PÚBLICO. 

“É trivial dizer isto, mas estamos mais pobres. Eu sinto-me mais pobre, porque ele era uma inteligência viva, alumiava, sentíamos-mos mais inteligentes ao pé dele. Era uma pessoa muito acima da mediania nacional, muito culto e inteligente”, destacou o também professor da Universidade de Coimbra.

"Foi um médico-cientista que os portugueses lembrarão durante muitas gerações. Criou o Instituto de Medicina Molecular (IMM), renovou o ensino da medicina e introduziu formas inovadoras e um novo contexto de fazer investigação em ciências biomédicas", sublinhou o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor. "Foi ainda um impulsionador da cultura científica e um exemplo de uma mente brilhante capaz de conjugar a arte de fazer medicina com o espírito científico e a necessidade de produzir novos conhecimentos através da investigação científica, assim como mostrou uma capacidade inédita de escrever e comunicar com o mundo através da literatura", acrescentou. "O seu legado deve ser uma inspiração para todos nós que procuramos estimular as sociedades baseadas no conhecimento."

Esteves Cardoso recorda Lobo Antunes

O escritor Miguel Esteves Cardoso escreveu sobre João Lobo Antunes nas suas crónicas no PÚBLICO quando a sua mulher, Maria João, esteve doente. Era o médico que dirigia a equipa de neurocirurgia que a operou a um tumor cerebral, “que a salvou”. Emocionado, diz que “a coisa mais triste é morrer um grande médico”. “Fica-se com raiva, fica-se assustado, um homem que salvou tantas pessoas. Fico com uma raiva à merda da morte, que lógica é que tem!”

O escritor lembra que Lobo Antunes aparecia aos seus doentes muito de manhã, “com aquele ar de príncipe”. Pode dizer-se dele que “foi um homem inteligente, de grande sabedoria, mas era também uma pessoa humaníssima. Malandro, muito humano, com uma maneira brincalhona de estar com os doentes”. A última vez que o viu foi no mercado da Praia das Maçãs, gracejaram, o médico comprava fruta e hortaliças.

O cronista diz que, além de médico, “era um sonhador”, lembrando que, até ao sexto andar, o Hospital de Santa Maria “parecia um hospital português, quando se entrava no sétimo andar parecia a Noruega". "É tudo obra dele, aquele departamento de neurocirurgia. Chateou e chateou para comprar aqueles equipamentos. Foi um sonhador. Podia ter ido para onde quisesse, ele teimou em ficar em Portugal.” Quando a sua mulher lá esteve internada, parecia-lhe que tinha a tratá-la “uma equipa de génios”, com João Lobo Antunes à cabeça.

Também o  ex-Presidente da República Cavaco Silva se mostrou "profundamente consternado" com a morte de João Lobo Antunes, afirmou à Lusa fonte do gabinete do antigo chefe de Estado. Lobo Antunes foi mandatário das candidaturas à Presidência da República de Cavaco Silva, que nesta quinta-feira lembrou também a “amizade e estima muito especiais” que os ligava. 

“Perdi um bom amigo, que me deu excelentes conselhos em fases diferentes da minha vida”, lamenta Francisco Pinto Balsemão num depoimento escrito, onde recorda que ainda há pouco tempo falara com Lobo Antunes para insistir que viesse à próximo reunião, em Dezembro, do Júri do Prémio Pessoa, do qual ele fazia parte desde 2002.

“Nessa conversa, pareceu-me que ele, embora consciente da gravidade do seu estado de saúde, queria estar presente em Seteais e acreditava que poderia comparecer”, relata Pinto Balsemão, que afirma lembrar-se “com admiração de algumas das intervenções exemplares que [Lobo Antunes] fez no Conselho de Estado, onde coexistimos durante alguns anos”.

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