PJ Militar imputa responsabilidade a médico do curso de Comandos

Dois enfermeiros militares já são arguidos e o clínico deverá ser interrogado também como arguido nos próximos dias. Ministério Público investiga crimes de abuso de autoridade por agressão e omissão de auxílio.

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Médico, responsável pela assistência aos recrutas, também é comando e será interrogado no DIAP PEDRO CUNHA

A Polícia Judiciária (PJ) Militar imputa responsabilidades ao médico que assistiu dois alunos do 127.º curso de Comandos que acabaram por morrer após se terem sentido mal durante um treino num campo de tiro, em Alcochete, no início de Setembro. Segundo o PÚBLICO apurou, o clínico, um capitão que também é comando, deverá ser ouvido nos próximos dias como arguido pela procuradora Cândida Vilar, que dirige o inquérito-crime que corre no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa.

Esta terça-feira foram ouvidos pela magistrada dois enfermeiros militares, constituídos arguidos neste caso. Os interrogatórios estão a decorrer depois da PJ Militar ter entregue ao Ministério Público um relatório preliminar, com as primeiras conclusões do caso, que imputa responsabilidades aos três profissionais de saúde.

O bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, confirmou ontem ao PÚBLICO que já abriu um inquérito disciplinar ao médico em causa há cerca de duas semanas na sequência de um trabalho do programa Sexta às 9, da RTP. Nesse programa, a mãe de Hugo Abreu afirma que o filho foi obrigado a comer terra já depois de entrar em convulsões. “Face às questões levantadas não podia deixar de abrir um inquérito para apurar factualmente o que aconteceu”, justificou o bastonário.

No inquérito penal está a ser investigado o crime de abuso de autoridade por agressão, previsto no Código de Justiça Militar, segundo informação avançada em comunicado esta terça-feira pela Procuradoria-Geral da República (PGR). "As investigações prosseguem, estando em causa suspeitas da prática de crimes de omissão de auxílio (art.º 200.º do Código Penal) e de abuso de autoridade por ofensa à integridade física (art.º 93.º do Código de Justiça de Militar)", lê-se na nota.

Este último crime é punido com uma pena de prisão entre dois a oito anos, que pode ser agravada se a ofensa provocar danos graves na vítima ou até a sua morte. Já a omissão de auxílio tem uma moldura penal bastante mais leve: pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias.

Enfermaria montada no campo de tiro

A PGR não diz quais são os crimes especificamente imputados aos dois enfermeiros, que asseguravam o funcionamento da enfermaria de campanha, montada no campo de tiro, para acompanhar o curso de comandos e por onde passaram os dois militares que morreram.

Os problemas ocorrem logo no primeiro dia do curso, a 4 de Setembro, um dia em que o próprio Exército registou a meio da tarde 40,7 graus centígrados no campo de tiro. A primeira vítima, o segundo furriel Hugo Abreu, com 20 anos, entrou em paragem cardiorrespiratória pouco depois das 20h30, quatro horas e meia após ter entrado na enfermaria de campanha.

Não chegou a ser transferido para qualquer hospital, tendo o óbito sido declarado no local. Segundo o porta-voz do Exército, às 19h, o médico militar que estava de serviço – e que segundo o Correio da Manhã terá saído por volta dessa hora, deixando mais de 20 vítimas numa tenda com dois enfermeiros e dois socorristas – decidiu que os dois militares deviam ser transportados para o Hospital das Forças Armadas, o que não chegou a ocorrer.

O Instituto Nacional de Emergência Médica foi chamado quando Hugo Abreu entrou em paragem e foi o médico que respondeu ao pedido de ajuda que decidiu transportar o soldado Dylan Silva, também com 20 anos, para o Hospital do Barreiro, na noite daquele domingo. O recruta acabou por morrer no sábado seguinte. Mais de uma dezena de outros alunos do curso tiveram que ser internados durante a primeira semana do curso.

Relatório de autópsia concluído esta semana

Os dois militares arguidos, um sargento que também é comando e uma furriel, saíram esta terça-feira do DIAP de Lisboa com a medida de coacção mais leve. "Concluídos os interrogatórios, que foram conduzidos pelo Ministério Público, os arguidos ficaram sujeitos à medida de coacção de termo de identidade e residência", refere a nota da PGR.

Revelante para o desfecho do caso será o relatório de autópsia das duas vítimas mortais, que, segundo o assessor de imprensa do Instituto de Medicina Legal, deverá ser concluído esta semana. “Os exames toxicológicos já estão concluídos. Aguardam-se os de anatomia patológica”, explica o assessor.

O Exército também tem um processo de averiguações em curso, tendo a semana passada anunciado que abriu dois processos disciplinares. Segundo o PÚBLICO apurou, os visados são um tenente e um sargento que se mantêm como instrutores do 127.º curso de Comandos, que só deve terminar no final de Novembro. 

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