A caça aos gambozinos

O novo filme de Corneliu Porumboiu, O Tesouro, subverte todas as expectativas.

<i>Tesouro</i> confirma como algum do melhor, mais consistente e acessível cinema moderno vem da Roménia
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Tesouro confirma como algum do melhor, mais consistente e acessível cinema moderno vem da Roménia
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E se, em vez de partirmos do pressuposto de desconfiar de toda a gente, fizéssemos o oposto e decidíssemos confiar no vizinho do quarto andar que nos veio pedir dinheiro emprestado? Tesouro é isso: a história de uma “caça ao tesouro” que tem tudo de aparente “caça aos gambozinos” improváveis, daquelas com que todos os miúdos sonham antes do mundo real se encarregar de destruir as ilusões: ir para o jardim da vizinha, para os baldios por trás do prédio ou para o miradouro do bairro à procura de um tesouro enterrado.

No caso do filme de Porumboiu, o tesouro de família está supostamente enterrado numa propriedade rural na Roménia contemporânea, país que tem sido filmado pela “nova geração” de cineastas como em ressaca das feridas da era comunista e demasiado deslumbrado pelo materialismo ocidental. Quem nos garante, por isso, que a história do vizinho de cima não passa de um esquema para sacar dinheiro a quem também não o tem?

A verdade, essa, é que Porumboiu evita todas as armadilhas que o seu filme lhe coloca – que são muitas e quase inevitáveis – com uma inteligência e um rigor notáveis, inspirando-se na realidade que o rodeia. A propriedade existe e pertence à família de Adrian Purcarescu (o actor profissional que interpreta o vizinho), e Tesouro começou por ser um documentário sobre a história do tesouro que corria na família antes do realizador dar a volta para uma ficção rodada em parte com actores não profissionais. Daqui sai aquele que será o filme mais optimista do realizador, projectando uma transferência de sonhos de geração para geração e a possibilidade de que esses sonhos se realizem.

Tudo isto com a economia invejável de meios a que o mais minimalista e conceptual dos cineastas desta “Nova Vaga” nos habituou: uma unidade quase aristotélica de acção, tempo e espaço (três-quatro actores, dois-três cenários, três actos mais prólogo e epílogo), uma maneira de contar histórias banais com uma atenção aos pormenores que só à superfície não têm importância. Basta ver como a história da Roménia está sempre a dar uma dimensão adicional à narrativa – o que torna ainda mais extraordinário o modo tão simples como Porumboiu encena. Tesouro confirma como algum do melhor, mais consistente e mais acessível cinema moderno vem da Roménia.

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