The Walking Dead vai voltar – tem mesmo tudo de acabar em lágrimas?

A sétima temporada da série chegou esta madrugada (e repete esta noite) com um pré-aviso: uma das personagens centrais vai morrer - e isto não é um spoiler. Definitivamente, esta é a era da televisão-choque.

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Rick Grimes, interpretado por Andrew Lincoln Gene Page/AMC
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Negan, interpretado por Jeffrey Dean Morgan Gene Page/AMC
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Gene Page/AMC

Estamos avisados – o regresso de The Walking Dead, uma das mais impiedosas séries da actualidade, vai envolver a morte de uma das personagens centrais e trazer mais um choque ao sistema do espectador de TV. Com A Guerra dos Tronos, mas também com séries de terrenos mais convencionais do thriller político como Scandal, House of Cards ou Segurança Nacional, a (tentar) chocar-nos regularmente, este é um lugar que já conhecemos. Mas tem mesmo tudo de acabar em lágrimas nesta era de ouro da televisão?

“Acho que as pessoas vão ficar muito, muito tristes. Peguem numa caixa de lenços”, sugeriu há dias o produtor e realizador Greg Nicotero num podcast do IndieWire. Não será, ao que tudo indica, uma morte como as outras. E já houve muitas outras, e de personagens que o público acarinha, nesta série situada numa Geórgia pós-apocalipse zombie em que seguimos um grupo de sobreviventes desde 2010, reconheceu Nicotero. “O público sabe o que vem aí”, disse ao IndieWire sobre o final da sexta temporada, em que o grupo de Rick Grimes é capturado por um novo vilão, Negan, que promete executar alguém no final de um tétrico jogo de um-dó-li-tá.

O episódio em que tudo se revela é transmitido este domingo à noite nos EUA. Chega a Portugal quase em simultâneo, às 2h30 da madrugada, no canal Fox. Segunda-feira à noite, a série ocupa o seu lugar no horário nobre português, às 22h15.

É a primeira vez que a Fox o faz com esta série, um título que “sai completamente fora de todas as normas”, como admitia em Setembro o director de programação dos canais, Luís Fernambuco, certo da expectativa que rodeia o episódio. “É um dos grandes”, confirma dos EUA Robert J. Thompson, director do Bleier Center for Television and Popular Culture da Universidade de Syracuse. Nas últimas semanas, na Internet e nas conversas entre fãs, recomeçou a especulação abandonada no final da temporada anterior – “quem é que vai morrer?” Será A, ou B: é outra vez Glenn depois do susto de 2015?

A série baseia-se no comic ainda em curso de Robert Kirkman e tem uma contagem de mortes tão alta quanto é negro o futuro das suas personagens. E como escreveu Ron Hogan no site Den of Geek, “no novo mundo da televisão, a obsessão conta quase tanto quanto as audiências”. É ela que torna imprescindível ver o episódio na altura certa, criando um raro appointment viewing que se pensava em vias de extinção na era das gravações, do streaming e do binge watch, e é ela que gera as conversas nas redes sociais que publicitam o programa.

Reportagem nas filmagens - Os zombies da TV "são o Estado Islâmico, o ébola, as forças negras do planeta..."

E a morte fica-lhe bem, num cenário em que se matam personagens principais (apesar de algumas voltarem à vida) sem pruridos. Os casamentos são sítios fatais – e estamos a falar não só de um escarlate episódio de A Guerra dos Tronos, mas também da novela 80s Dinastia – e tanto na intriga de Washington como nos tribunais a morte é uma arma – antes de Scandal, já nos anos 1990 se caía morto num tribunal em Ally McBeal. Essas duas décadas foram “períodos de incubação deste estratagema para chocar e agradar aos espectadores”, situa Robert Thompson. O público pode sofrer, ameaçar não ver mais a série ou irritar-se com ela, mas “é um prazer tal para os espectadores” relacionar-se assim com a ficção “que é quase uma reacção física ao storytelling”.

The Walking Dead continua a ter os números do seu lado – antes da estreia desta sétima temporada já foi confirmado que haverá uma oitava – e acumula recordes (estreia mais vista da TV por subscrição, o programa não desportivo mais visto desse sector, a série mais popular nos EUA na importante faixa dos 18-49 anos). Embora sem o apoio da crítica nem dos prémios (tem sido ignorada nas categorias principais dos Emmys, por exemplo), é uma das mães da avalanche de séries de horror, fantasia ou nichos vários que enriquecem a era actual de televisão e, na esteira de gigantes como Os Sopranos ou Breaking Bad, teve impacto na forma como se contam histórias actualmente. “Num mundo pós-Walking Dead e pós-Guerra dos Tronos é-nos permitido ser muito mais ousados”, dizia há um ano ao PÚBLICO Chris Black, showrunner de Outcast, produtor de Mad Men ou Donas de Casa Desesperadas.

Excerto do primeiro episódio da sétima temporada 

Ainda assim, “a televisão tem de ter cuidado": "Esperamos que estas séries sejam mais realistas – o que pode parecer ridículo quando há dragões e zombies, mas mesmo nestes universos esperamos que sejam seguidas algumas regras aristotélicas”, lembra Thompson, que diz já não conseguir ver A Guerra dos Tronos “sem desconfiança” depois do regresso de uma certa personagem dada como perdida numa temporada anterior. Matar para chocar pode cansar. No caso da série dos zombies, Tim Goodman, crítico da Hollywood Reporter, postulava depois do episódio de 2015 que deixou no ar o destino da personagem Glenn que, se ele “sobreviver, nenhuma morte futura em Walking Dead pode ser credível, e isso rouba aos argumentistas a sua ferramenta mais poderosa”. Nesse cenário, frisou, “qualquer morte futura terá de ser tão óbvia que não suscite dúvidas”. Tendo em conta que já (nos) vitimaram tantas vezes, a morte iminente surge agora com aviso prévio. 

Com tanta morte, a que se juntam sexo explícito, violência e dureza, os espectadores estão mais fortes. Este é “um público que teve 20 anos para aprender a consumir programação muito mais madura": "O que vemos em séries como Scandal, Guerra dos Tronos e Walking Dead é a maturação tardia da evolução da televisão que já existia no final dos anos 1970 e 80”, defende Robert J. Thompson.

Esta madrugada, ou na noite de segunda-feira, os espectadores não se debaterão com um sentimento de perda inesperada. Houve uma espécie de preparação do público para a morte que se avizinha e “isso é tremendamente desafiante do ponto de vista do storytelling”, regozijava-se Greg Nicotero. Mas esta morte “serve um fim”, garante, que é o do costume – fazer avançar a história.

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