O Orfeu de Vinicius tem finalmente edição portuguesa

A peça de teatro Orfeu da Conceição chega a Portugal 60 anos após a sua primeira edição no Brasil.

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Vinicius de Moraes DR
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Vinicius com o actor Haroldo Costa (Orfeu) e o encenador Leo Jusi DR
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Orfeu em palco com cenários de Oscar Niemeyer DR
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Cartaz de Carlos Scliar para a peça Orfeu da Conceição DR
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Cartaz para o filme de Marcel Camus DR
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Cartaz para o filme de Cacá Diegues DR
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Capa do disco com as músicas originais da peça DR
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Capa do disco com as músicas originais do filme de Camus DR
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Capa do disco com as músicas originais do filme de Cacá Diegues DR
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Capa de uma das edições brasileiras mais antigas da peça DR
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Capa da actual e única edição portuguesa de Orfeu da Conceição DR

Tragédia carioca em três actos, Orfeu da Conceição nunca tinha sido editado em Portugal. A lacuna foi agora colmatada pelo ramo português da Companhia da Letras (do grupo Penguin), acrescida de alguns materiais que a contextualizam. Até agora, Orfeu da Conceição só estava disponível em Portugal como parte do volume com a obra integral de Vinicius de Moraes Poesia Completa e Prosa, da Nova Aguilar (Rio de Janeiro), cuja edição mais recente data de 2004 (a peça está quase no final do livro, nas págs. 1415-1471). Mas a edição avulsa, que agora chega às livrarias, permite uma leitura da peça num contexto que lhe é dado pelo próprio autor, em textos adicionais, a que se junta ainda uma sintética cronologia da vida de Vinicius (1913-1980).

Grécia e carnaval

Numa introdução, à laia de prefácio, reunindo dois textos de Vinicius de Moraes (o do programa da primeira encenação de Orfeu e outro inédito, que poderá ter sido destinado ao Festival de Cannes) sob o nome de Radar da batucada, fica a saber-se que a ideia de Orfeu da Conceição (é esse o nome dado ao protagonista) nasceu durante um jantar com o escritor americano Waldo Frank, que Vinicius acompanhava em incursões por favelas e morros do Rio. Gerou-se neles o sentimento de “todas aquelas celebrações e festividades tinham alguma coisa a ver com a Grécia; como se o negro, o negro carioca no caso, fosse um grego em ganga – um negro ainda despojado de cultura e do culto apolíneo à beleza, mas não menos marcado pelo sentimento dionisíaco da vida”.

A leitura posterior da lenda de Orfeu num “velho tratado francês de mitologia grega”, ao mesmo tempo que lhe chegava aos ouvidos “uma infernal batucada” vinda do morro, levou Vinicius “a sonhar um Orfeu negro”. Nessa mesma noite escreveu “de um só fôlego” o primeiro acto. O segundo, contudo, só chegaria em 1948, cinco anos depois. E foi aí que lhe ocorreu associar Orfeu ao carnaval carioca. Deste modo, o Orfeu grego deu lugar ao Orfeu negro, numa peça que pretendia ser, ainda segundo Vinicius, “uma homenagem (…) ao negro brasileiro, pelo muito que já deu ao Brasil mesmo dentro das condições mais precárias de existência.” Essa precariedade transmitiu-se depois à peça que, por dissabores vários, foi ruinosa e teve vida breve – outros textos adicionais, no final do livro, ajudam a explicar esta história.

Elenco totalmente negro

Mas a peça, que esteve em cena no Teatro Municipal do Rio de Janeiro de 25 a 30 de Setembro de 1956 com “um elenco totalmente negro” (condição imposta pelo autor, apesar de admitir que ela pudesse, “eventualmente”, ser encenada com actores brancos), ficou gravada na história por várias razões e vários nomes. A associação de Vinicius de Moraes, seu criador, a Antônio Carlos Jobim (autor da música) e a Luiz Bonfá (no violão), era já de certo modo um prenúncio da bossa nova. Oscar Niemeyer (cenários) e Carlos Scliar (cartazes), entre outros, ajudaram a pôr de pé um triunfo que foi simultaneamente um pesadelo para Vinicius, pelas dívidas contraídas para a peça.

“São demais os perigos desta vida para quem tem paixão”, escreveu Vinicius na sua peça (para ser dito, apenas; só viria a ganhar forma de canção mais tarde). Isto aplicava-se aos protagonistas, Orfeu e Eurídice, “duplos” da tragédia grega num contexto brasileiro contemporâneo, mas também ao próprio Vinicius de Moraes, que nesta sua paixão teatral perdeu “mil e duzentos contos de dívidas contraídas” (escreve no texto final) mais os “cerca de quatro mil dólares” que deixou de receber por ter queimado toda a sua licença-prémio como diplomata (então em Paris) “na aventura de encená-la”. Mesmo assim, Orfeu teria muitos ecos nos anos seguintes e inspirou dois filmes: o primeiro do francês Marcel Camus, Orfeu Negro (1959), que recebeu o Óscar de melhor filme estrangeiro em 1960 e no Brasil se chamou Orfeu do Carnaval; e Orfeu (1999), do brasileiro Cacá Diegues, com música de Caetano Veloso (que nunca gostou do filme de Camus). As músicas e canções da peça original e de ambos os filmes encontram-se editadas em CD.

A peça Orfeu da Conceição, origem do muito que se lhe seguiu, pode ser lida integralmente no texto original, sem adaptações ortográficas ou outras, na edição que agora chega até nós.

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