O protesto dos taxistas acabou com um aperto de mãos… com a polícia

Braço de ferro por causa da legalização das plataformas Uber e Cabify segue dentro de oito dias à porta do Palácio de Belém e das câmaras do Porto e de Faro. Até lá, o Governo promete negociar com táxis e plataformas.

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Carlos Ramos e Florêncio Almeida, os dirigentes das associações de taxistas, ajudaram à desmobilização Miguel Manso
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Acabou às 2h30, com apertos de mão entre os dirigentes das associações de táxis e os responsáveis da polícia, o bloqueio dos taxistas à rotunda do Relógio, em Lisboa, que se prolongou durante 18 horas. São tréguas de oito dias, durante os quais o Governo se comprometeu a suspender o processo de regulamentação das plataformas alternativas (Uber e Cabify). Na próxima segunda-feira, os taxistas voltam a concentrar-se, desta vez em três pólos: frente ao Palácio de Belém, em Lisboa, e às câmaras do Porto e de Faro, as cidades onde aquelas empresas de base digital também operam.

Mas não foi fácil convencer os taxistas da bondade da retirada pacífica. Durante quase hora e meia — desde que regressaram do programa televisivo Prós e Contras —, Florêncio de Almeida, presidente da Antral, e Carlos Ramos, da Federação Portuguesa do Táxi, hesitaram na decisão a tomar. Tinham estado reunidos com assessores do Governo no final do programa da RTP e não traziam as boas notícias que os colegas queriam ouvir.

“Não há cedência do Governo em relação aos contingentes”, anunciou Carlos Ramos ao microfone do palco improvisado em cima de uma camioneta com colunas de som e grandes tarjas vermelhas onde se lia “Proibição aos ilegais”. As centenas de taxistas (ainda) presentes apuparam a notícia. “Eles prometeram suspender o processo da lei e abrir as negociações imediatamente com as empresas e as plataformas, mas a questão dos contingentes está fora da mesa. Temos de decidir o que fazer”, disse Ramos. “Até morrer”, responderam alguns manifestantes.

Florêncio de Almeida apelava à calma: “Temos de repensar. Estamos a prejudicar muita gente nossa e o público. Não podemos perder a razão”. Mas não quis assumir sozinho a decisão. “Eu como vosso presidente, eleito por vocês, não vou tomar nenhuma posição para desmobilizar. Vamos reflectir em conjunto”.

Seguiu-se uma hora de discussão, ora ao microfone, ora em grupos. Pesavam-se os prós e os contras – o que ganharam na opinião pública, o que perdiam se fossem embora. Havia divisões claras. Entretanto, seguia na sombra um processo negocial com a PSP, presente em força em toda a rotunda, acessos e viadutos, com centenas de homens, carros de intervenção, motos e reboques.

Debaixo dos holofotes, perante os jornalistas, continuavam a esgrimir-se argumentos. “Há mais portas onde bater”, dizia Carlos Ramos, falando do Presidente da República, das autarquias, da Assembleia da República, onde “um partido” – o PCP – “se comprometeu a levar o assunto a debate”.  Florêncio de Almeida não estava tão optimista e dava sinais de cedência a alguns argumentos do Governo, sobretudo em relação à contingentação [limite de viaturas por plataforma] pedida pelo sector: “Não sou jurista, tenho algumas dúvidas de que não tenham razão”. E aconselhou “ao bom senso, à calma, à ponderação e civismo”.

Uma boa parte dos manifestantes mostrava-se disposta a tudo: “Não se pode sair daqui sem ganhar nada”. “Se a polícia avançar sobre nós é a prova que estamos a viver uma ditadura soviética”. “É hoje ou nunca”. “Não saímos, não saímos”, cantaram alguns. Outros apelavam à calma: “Eu já enfrentei muitas coisas, muitas manifestações e lutas. Mas na guerra colonial eu tinha uma arma”. E muitos outros já tinham, por essa hora, regressado a casa.

Perto das duas da manhã, Florêncio Almeida e Carlos Ramos pareciam encurralados. Desceram do palco improvisado, trocaram impressões entre si e com outros colegas, alguns dos quais seriam os negociadores com a polícia. O comandante Luís Moreira já lhes tinham dito que a PSP tinha ordens para evacuar a rotunda e já explicara a estratégia: os veículos estacionados na rua de ligação do aeroporto à rotunda seriam bloqueados e os da rotunda seriam rebocados. Na manhã seguinte, seriam todos levados a tribunal.

“Temos meia hora”, disse Florêncio de Almeida, quando voltou a subir para a camioneta, já com a decisão tomada com Carlos Ramos. Ainda havia quem protestasse com eles: “Isso chama-se intimidação”. “Com a comunicação social aqui, eles não fazem nada”, respondiam os mais determinados a manter-se ali até conseguir “dobrar” o Governo.

Por essa hora, uma dezena de motos da polícia, cada uma com dois homens, começou a rodear a praça em tom ameaçador. “Eles têm ordens para limpar o local, mas isto não acaba hoje”, avisava Florêncio de Almeida assim que voltou a ter microfone, ligado a um gerador que por alguns minutos se recusara a funcionar.

Eram quase 2h30 da manhã, provavelmente a hora limite para a PSP. “Agora cada qual é responsável por aquilo que fizer. Eu não vou embora enquanto aqui estiver um só carro, mas só podemos esticar a corda enquanto ela não parte”, dizia o dirigente da Antral. Anunciou então os próximos passos: os taxistas voltam a sair à rua dentro de uma semana, à porta do Palácio de Belém e das câmaras do Porto e de Lisboa. “Vamos embora, vamos com calma e vamos em paz”.

E assim foi. Em alguns minutos, ainda que com alguns protestos, os taxistas voltaram para os carros e desmobilizaram. Florêncio de Almeida e Carlos Ramos foram apertar a mão ao comandante da PSP e agradecer-lhe. O comissário Sérgio Gomes, responsável pelos contactos com a imprensa, explicou o pouco que pode ao PÚBLICO: “Estávamos preparados para todos os cenários, mas demos privilégio à via negocial com os dirigentes das associações, que acabaram por nos ajudar”.

Como foi o protesto ao minuto
 

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